O demônio arranca-pele

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A avenida escura estava mortalmente quieta, a cúpula negra do céu coberta de nuvens com nem mesmo as estrelas ousando mostrar seu brilho. Além da luz rubra e bruxelante das lanternas sob os beirais das casas e lojas, havia apenas breu para todos os lados. Fora os latidos ocasionais dos cães nas casas e o grasnar dos corvos, só se podia ouvir o uivo do vento farfalhando entre as folhas.

Era por aquele caminho nada amistoso que uma jovem destemida caminhava sozinha. Ela parecia ter pressa, seus passos ligeiros eram quase uma corrida. Seus cabelos frondosos balançavam arrastados pelo vento, assim como a barra de seu vestido.

"A irmãzinha está sozinha?" A garota parou ao ouvir a voz suave a chamando. Ela se voltou e se deparou com outra jovem mulher. Seu sorriso era doce e seu rosto bonito. A garota pareceu relaxar ao vê-la e sorriu de volta a ouvindo completar, "É muito perigoso andar sozinha por aí durante a noite, vamos caminhar juntas."

"Isso é ótimo! Eu realmente estava um pouco assustada!" Acompanhada, os passos da menina pareceram se tornar muito mais lentos. Elas caminharam por um tempo sem falar. Ainda estava tão silencioso que o som de seus passos na estrada pavimentada com pedras era terrivelmente nítido, colaborando para a atmosfera opressiva.

"A irmãzinha é realmente bonita."

A garota ouviu a mulher dizer, mas antes que pudesse se voltar para agradecer o elogio, ela foi atingida por um forte golpe na parte de trás da cabeça. Ela instantaneamente perdeu a consciência, seu corpo delicado caindo como um ramo de salgueiro desprendido da árvore.

A mulher se agachou ao seu lado e riu. "Tão ingênua." Ela pôs os braços em volta de seus ombros e sob os seus joelhos e a levantou. A mulher não era alta e nem parecia muito forte, mas não demonstrou nenhuma dificuldade em carregar a garota daquela forma.

Ela a levou até um beco e a jogou novamente no chão. Segurando suas bochechas ela a encarou por um tempo antes de se erguer e exclamar, "Tão bonita! Que sorte a minha!" Ela riu enquanto se despia. Não era as roupas que ela estava tirando, mas sim a própria pele. Puxando, ela a arrancava como se estivesse tirando uma camada de papel. Não demorou para que a bela jovem se tornasse uma bagunça sangrenta de carne viva e vermelha. Tão nojento!

"Aquele maldito cultivador! Eu ainda nem tinha esquentado essa pele direito!" Ela disse, sua voz já não mais soando doce e feminina e sim medonha e demoníaca. Ela se agachou de novo perto da garota e estendeu o dedo sangrento para tocar seu rosto. "Pelo menos eu vou parecer muito mais bonita agora." Ela disse, mas antes que pudesse realmente encostar na pele da menina, um punho voou de repente e pousou bem no meio de seu rosto com uma força monstruosa. Ela foi lançada para trás e suas costas colidiram com a parede, deixando o desenho de seu corpo afundado no concreto.

"Sai fora, seu bicho feio!" Luo Binghe levantou sacudindo a mão suja de sangue. "Você acha mesmo que pode pôr essas suas mãos imundas no meu precioso rosto?!"

"Q-QUEM, QUEM É VOCÊ?" O demônio guinchou enfurecido enquanto levantava.

"O seu ancestral!" Luo Binghe respondeu, sua voz se tornando alguns tons mais graves e sua expressão assustadoramente maldosa. "SHISHU!"

O demônio finalmente percebeu que havia sido enganado. "PORRA!" ele exclamou e investiu contra Luo Binghe. "VÁ PARA O INFERNO, SEU CULTIVADOR DE MERDA!"

Luo Binghe se esquivou por pouco e uma profunda marca de garras apareceu na parede, exatamente no lugar em que sua cabeça esteve momentos antes. Aproveitando o impulso, ele varreu a perna para derrubar o demônio, mas a criatura saltou agilmente e saiu voando na direção dos beirais.

"SHISHU, ELE ESTÁ ESCAPANDO!" Luo Binghe gritou, mas antes que o demônio realmente alcançasse o telhado, uma bota o chutou no meio do peito. Ele foi mandado de volta para o chão, o afundando com a força do impacto. Liu Qingge pulou também e aterrissou com elegância ao lado de Luo Binghe. Ele esfregou a sola no chão limpando o sangue grudento que aquela coisa deixou em sua bota.

O demônio levantou atordoado. Ele ainda tentou correr, mas havia sofrido sérios danos com aquele chute e só pôde arrastar seu corpo nojento para tentar se salvar. Liu Qingge nem mesmo tirou Cheng Luan da bainha, deixando Luo Binghe cuidar do resto apenas com alguns talismãs de contenção. Eles voltaram para residência do velho Chen e o deixaram ver o demônio arranca-pele que eles haviam capturado.

"Eu não acredito que minhas... minhas delicadas esposas..." o velho Chen virou para o lado e vomitou, não aguentando a horripilante visão daquele corpo descascado.

"EU É QUEM DEVERIA ESTAR VOMITANDO! VOCÊ ACHA QUE FOI FÁCIL ME DEITAR COM UM VELHO ASQUEROSO COMO VOCÊ... se não fosse pelo seu dinheiro..." o demônio respondeu aborrecido e frustrado. Luo Binghe o selou novamente e o guardou em uma pequena bolsa mágica. Eles trocaram mais algumas formalidades, receberam suas recompensas e quando eles já tinham se virado para sair, o velho Chen pareceu finalmente notar Luo Binghe.

Ele ainda estava vestido como uma garota e apesar de seu vestido estar empoeirado e amassado e seus cabelos bagunçados e despenteados, ele ainda era uma beleza difícil de ignorar. O velho lhe lançou um sorriso e perguntou, "E essa irmãzinha linda? Por que eu não a vi antes? Ela já estava acompanhando você mais cedo?"

Levou um tempo até Luo Binghe perceber que era dele que o velho falava. Ele olhou para Liu Qingge como se pedisse ajuda, mas foi ignorado. "Eu..." Luo Binghe pigarreou e ajustou a voz, colocando um sorriso inocente. "Eu sou a pequena companheira do Mestre Liu. Nós viemos juntos." Ele respondeu em um tom suave enquanto se agarrava a manga de Liu Qingge timidamente. Ele disse uma coisa, mas seu significado implícito era outro. O rosto de Liu Qingge ficou feio e ele lançou um olhar mortal para Luo Binghe. Felizmente, o velho Chen ignorou isso, não duvidando de suas palavras.

"Oh, que pena... digo, que sorte a do mestre. Uma amante tão bela e corajosa é realmente como uma jade rara e difícil de encontrar. O mestre deve cuidar bem dela para que não seja cobiçada e roubada pelos outros." O velho disse. "Servos, preparem os aposentos para o mestre e sua namorada descansarem antes de partir."

...

"Shishu, espere! Não fique bravo!" Luo Binghe estava quase correndo para acompanhar os passos de Liu Qingge pelo corredor. Liu Qingge não respondeu, nem mesmo olhou para trás. "Eu só disse aquilo para o velho não me incomodar mais! Você não viu como ele estava quase me devorando com os olhos?! Você ia realmente me deixar ser molestado por aquele velho pervertido?"

Liu Qingge fingiu não escutar. Ele não aceitou a cortesia do velho Chen e correu para recuperar seu cavalo no estábulo. Ele o manejou e montou, não poupando qualquer palavra a Luo Binghe. E Luo Binghe só pôde segui-lo, sem nem mesmo tempo para trocar de roupas antes de partirem. Luo Binghe suspirou, olhando com mágoa para as costas do homem que cavalgava a frente. Ele reconhecia que tinha exagerado desta vez, mas não precisava reagir tão mal, precisava? Luo Binghe não conseguia entender. Ele era tão lindo e adorável, por que Liu Qingge era tão resistente a ele? Talvez ele tivesse outra pessoa em seu coração? Luo Binghe ponderou, mas rejeitou logo em seguida. Fosse homem ou mulher, quem poderia ser melhor que ele próprio?

Aonde Foram Os Vilões? - BingjiuOnde histórias criam vida. Descubra agora