PÁGINAS EM BRANCO

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CADA GOTA QUE caía sobre o meu corpo parecia estar gritando-me uma ideia. Os zumbidos em meus ouvidos indicavam-me que uma grande quantidade de adrenalina estava passando pelo meu cérebro e eu só desejava ter uma caneta e um papel em mãos. Imaginei-me traçando as palavras, mas as páginas continuavam em branco, destruídas pela água.

Há alguns dias, enquanto eu olhava pela janela, senti o meu coração acelerar com a cena que floresceu na minha imaginação. Havia cor e sensação, a minha pele fervilhava em expectativa, mas quando fui passá-las para uma página, ela continuou em branco, sem qualquer emoção.

Lembro-me de quando observei uma abelha ser capturada por uma teia de aranha, foquei na angústia que tomou o meu interior e como uma trama poderia surgir das dificuldades. Há história em qualquer lugar. Eu quis detalhar a imagem, mas fiquei estagnada com a falta de palavras que acabaram deixando a página sem nada.

Horas e horas em frente a uma tela cheia de letras, frases incompletas, parágrafos sem evolução, enredos sem sentido. Incontáveis letras dentro de mim, frases transbordantes, parágrafos impecáveis, enredos concluídos. Estou encarando aquela página convidativa, desafiadora, vazia. Não há nada em minhas mãos.

Lá fora, as árvores vivem uma história. Aqui dentro, eu sou o que sobrou das sementes infecundas, apenas rascunhos descartados após os rabiscos não polinizados. Inércia cheia de euforia, em uma página nunca escrita.

Como uma bomba-relógio, tic-tac, as palavras são capazes de me desarmar. Entretanto, não há tempo para declamar, para transcrever o segredo de escrever um pensamento. Os fios da minha criatividade dependem do barulho da hora do expediente. Nunca há insight no silêncio. Nunca há fluidez para a paz. A contagem regressiva para a explosão acontece diante da página sem qualquer inspiração.

Várias folhas grudadas pelas paredes, anotações em diversos tipos de papéis, são tantos lembretes de que uma trama cativante poderia surgir. Poderia, desejaria, quereria. Ah, eu queria. E as páginas continuam tão cheias de nada! O futuro que tudo guarda não me revela letra alguma, deixa-me como espectadora frustrada.

Ao abrir os olhos, barulho. Durante o sono, tumulto. Os sentidos falham em meio ao turbilhão de vozes mudas, ensurdecedoras, moradoras de uma cidade ditadora. As tarefas voam uma atrás da outra, afugentando os cenários que idealizei detalhar ao entardecer. Todavia, o diurno e o noturno confundem-se em segundos, em um piscar de olhos a página que eu planejava escrever foi adiada. Solidão de palavras no meio de uma multidão de enredos. Permaneço silenciada.

No fim, escrever até aqui foi como duelar contra mim. Não quis deixar a página em branco, porque a ideia de não ser nada, de não ter nada para registrar, pareceu-me tão aterrorizante quanto uma pilha de papéis sem utilidade, feitos apenas para desmatar. Pautas vazias não viram livro, não marcam obra. Então, eu, em branco como uma página, como poderei virar história?


25 de junho de 2022.

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CAMPOS EFÊMEROSOnde histórias criam vida. Descubra agora