"𝕺𝖘 𝖕𝖎𝖔𝖗𝖊𝖘 𝖒𝖔𝖓𝖘𝖙𝖗𝖔𝖘 𝖘𝖆̃𝖔 𝖆𝖖𝖚𝖊𝖑𝖊𝖘 𝖖𝖚𝖊 𝖕𝖆𝖗𝖊𝖈𝖊𝖒 𝖍𝖚𝖒𝖆𝖓𝖔𝖘" - Talia Burns, First Kill

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Hollywood, Califórnia - 1980

O prazer que senti horas antes na casa de praia de Charles, começou a ser um sentimento cada vez mais distante. Sempre que lembrava do grito de seus amigos, essa nova pessoa dentro de mim gostava e implorava por mais, no entanto eu só imaginava minha doce Elle vendo o que a irmã mais velha havia se tornado. 

Haviam se passado quase dois anos desde que eu, bem, morri. Carlisle me manteve afastado da cidade em que nasci durante todo esse tempo. Eu também não convivi muito tempo com os Cullen, além de Esme e de seu marido. Eles acham que sou muito instável e que ser uma récem-criada pode ainda pode ser uma grande mudança desde que Rosalie foi transformada, cinquenta anos antes.

Depois de sair da casa de Charlie com um mix de emoções que só cresciam a cada passo que eu dava, entrei no primeiro ônibus que avistei para me levar para sei lá onde.

Muitos récem-criados levam meses, até anos para se controlar na presença de um humano e estar em um ônibus cheio de pessoas, que mais pareciam bolsas de sangue, foi um grande desafio de auto-controle. 

Em algum momento da viagem me deixei ser levada pelo cansaço. Eu ainda conseguia sentir os olhares alheios encarando minha roupa e rosto manchados de sangue e o coração de cada um batendo em diferentes ritmos em seus pulmões, mas deixei que os pensamentos fugissem de mim e apenas foquei naquilo que sempre me trazia a realidade quando estava perto de um surto. Minha família, não os Cullen, a família Monteiro. 

- Hey. Menina acorda. - Sinto uma mão me cutucando seguida de uma voz rouca. Acordo encarando o motorista esperando uma explicação para ter me acordado. - Você está bem? 

- Tô, por quê? - Finjo naturalidade evitando olhar para qualquer coisa senão seu rosto. 

- Seus olhos estão muito vermelhos e você está toda suja de... sangue.

Respiro tensa e tento dizer a primeira coisa que me vem à cabeça. 

- Isso? Ah, não é nada, é apenas....

- Não diga, eu já sei. - Pausa para pensar por um momento. - Você faz parte daquele novo filme de vampiros que vai lançar, não é? Qual é o nome mesmo? Já sei! A Vida Eterna de uma Rockstar! (é um projeto no qual estou trabalho). 

Esboço um sorriso para o rapaz com uma expressão do tipo: "Você me pegou."

- Só não conte para ninguém. Ainda estamos fazendo a estreia uma surpresa. - Peço comprando a mentira que o moço havia criado para mim. - Obrigada, por me acordar. - Digo levantando e me aproximando da saída. - Não posso chegar atrasada para as gravações. 

Saio rapidamente do ônibus antes que o senhor comece a me fazer perguntas para as quais não tenho resposta. É engraçado a quantidade de filmes de pessoas se passando por vampiros, se alguém soubesse como é realmente ser um sanguessuga não estaria tão empolgado para atuar nesse papel.  

Vago pelo terminal de ônibus e me arrependo por não ter perguntado onde estávamos. O sol começava a surgir no horizonte, pintando o céu com tons de rosa, vermelho, laranja e azul bebê. A rodoviária estava totalmente vazia a essa hora e por mais que fosse agora uma assassina, não precisava sair andando pelas ruas deixando óbvio que era.

Paro em frente a uma lojinha de roupas que estava fechada. Checo rapidamente os arredores para ter certeza que não havia ninguém ao meu redor e quebro a fechadura da porta. Caminho pelos corredores e por manequins vestindo as roupas mais modernas. Era impressionante quando a moda mudou em dois anos. 

Tento procurar por algo não muito chamativo, o que menos precisava era atrair a atenção. Acabo encontrando uma calça jeans pantalona  e um suéter creme com bolinhas caramelo costuradas. Passo uma água no rosto e penteio o cabelo deixando-o solto de uma forma bem esvoaçante. 

No caminho para fora, pego um óculos escuros, deste modo além de complementar minha roupa, também escondia os olhos sobrenaturalmente avermelhados. 

Do outro lado da rua, avisto um mapa da cidade. Uso minha velocidade e em menos de um piscar de olhos estou frente a frente ao grande mural. Em letras grandes, a palavra "Hollywood" se fazia clara. Observo as ruas gravadas nas folhas procurando pelo lugar em que uma vez conseguia achar de olhos fechados. Minha casa. Não a casa de vidro que os Cullen tanto adoro, a casa simples na qual cresci. As marcas de meu crescimento marcadas em caneta branca no pilar das escadas. Do cheiro de pão assado vindo da cozinha de manhã. Do som melódico das risadas de minha irmã quando fazia cosquinha em sua barriga. 

Uma lágrima solitária escorre de meu olho e limpo-a rapidamente. 

Eu sei que não devia, sei que Carlisle não aprovaria.  Nenhum de meus... irmãos, odeio pensar naquele bando de vampiros como minha nova família. Nenhum dos filhos de Esme e Carlisle retornaram a sua família depois da transformação, mas ninguém precisava saber. Elle não precisava me ver. Eu só precisava saber que meus pais estavam bem, como minha irmãzinha estava. A mulher que ela estava se tornando. 

Ter uma super-velocidade era algo a ser admirado. Distâncias absurdas se tornam como tranquilas como um passeio no parque. O tempo parece parar de tão rápido que seu pés tocam o chão. O bater das asas dos pássaros para. As abelhas flutuam no ar. Os carros tão acelerados mal se movem. 

Passo pelas ruas que antes conhecia e não me vejo mais como uma dos moradores da cidade que vivem suas vidas sabendo que irão morrer um dia. Não consigo mais imaginar tendo um futuro me casando, nunca poderei ter filhos, nunca terei uma família. Estarei condenada a assistir todos com os quais me importava definharem até o momento em que seus ossos não passem de poeira e sua cinzas sejam jogadas ao vento. 

Quando vejo, já estou frente a frente a casa de minha infância. Parecia tão mais velha. As roseiras de mamãe estavam cinzas, a pintura azul estava quase descascando. Subo na árvore em frente ao quarto de Elle e durante o que parece uma eternidade apenas observo-a dormir enquanto o sol começava a iluminar o telhado das casas e as pessoas levantavam de suas camas para ir trabalhar. 

Observo minha doce irmã. Seu cabelo estava mais cumprido, parecia mais claro. Sua pele estava bronzeada e lisa como manteiga. Estava tão bonita. Estava apenas com dez anos, mas conseguia imaginar a linda mulher que ela viria a se tornar. 

Ouço a porta do quarto se abrindo e mamãe adentrando. 

- Princesa. Está na hora de acordar. - Chama ela dando um beijo na testa de Elle. 

- Só mais cinco minutos. - Pede com uma vozinha sonolenta. 

Em me imagino ali. 

Imagino me sentar ao lado de mamãe na beira da cama e fazer um cafuné no cabelo castanho de Elle. Estaria com a cabeça apoiada no ombro de minha mãe discutindo que roupa ficaria mais bonita para ela usar e esperando papai subir para entender o motivo de nossa demora. Ele se juntaria a nós e pegaria Elle no colo, carregando-a como um saco de batatas enquanto riamos como uma família feliz. 

Assim como pensei, papai logo entrou no cômodo. Ele e mamãe pareciam tão mais velhos. Não conseguia imaginar como estavam se sentindo, como foi para eles lidar com minha morte. Eu não sei como me sentiria se Elle estivesse naquela rua ao invés de mim. 

Sinto algo de meu peito quebrar. Um vento frio atravessa a rua e nuvens de chuva encobrem o sol acompanhando meu sentimento de tristeza. 

Não conseguia mais suportar assisti-los. Não conseguia mais ver e desejar o que nunca terei.

Com um salto, meus pés alcançam o chão. E observo uma última vez o último resquício da pessoa que eu era, absorvendo cada detalhe. 

Eu voltaria algum dia, mas não tão cedo. 

Viro de costas atravessando as ruas da cidade molhadas com atual tempestade em direção a minha família de faz-de-conta. 

BłȺȼꝁ Sħɇɇᵽ - CrepúsculoOnde histórias criam vida. Descubra agora