A equipa técnica que se encontrava no local das filmagens abria espaço para o recém-chegado, encarando-o com estranheza. A sua altura impunha respeito, mas era a sua aura, que exalava perigo e poder, que desviava olhares alheios e baixava cabeças altivas.
Bernardo levantou os olhos dos ecrãs que recapitulavam as últimas frames da cena da grande batalha entre os povos do Norte e o exército de Ibn-Almundim para ver o recém-chegado parar à sua frente. De trás das costas do gigante, surgiu a pequena mulher que tinha vindo a saltitar alegremente com ele até ali.
— Está entregue! — exclamou ela com um sorriso, com as mãos a apontar dramaticamente para o homem a seu lado.
O produtor endireitou-se e agradeceu o trabalho do técnico à sua frente antes de se encaminhar para as visitas.
— O que é que estás aqui a fazer, Bea? A Nana?
Ela fez beicinho.
— A Nana teve de ir compensar o treino da seleção que não vai puder fazer logo à noite. Eu voluntariei-me para fazer de guia turística no seu lugar! — terminou com um sorriso.
O gigante grunhiu e Bernardo acenou em entendimento. Depois, os dois homens olharam-se. Era a primeira vez que o faziam em 7 anos e a tensão que tinha ficado suspensa entre eles desde essa altura ainda era palpável.
Bernardo perscrutou o mais alto, à espera da picardia do costume. Porém, foi surpreendido com uma mão esticada, que ele apertou ao fim de uns instantes de hesitação.
— Precisas de mais alguma coisa? — perguntou Bernardo ao se desenvencilhar do aperto. Desde o momento que chegara que Beatriz não se tinha mexido, estando ocupada a estudar os dois homens com atenção.
— A Nana pediu-me para evitar que se matem um ao outro — admitiu a mais nova, levando os dois homens a revirar os olhos. — Mas parece-me a mim que finalmente vestiram as calças de meninos crescidos.
O sorriso que ela levava na cara aumentou com as caretas de desagrado deles, e nem os óculos escuros que pendurou no nariz foram suficientes para ocultar o riso que ficou no seu olhar depois de ter morrido nos seus lábios.
— Não se esqueçam do jantar mais logo, que a Dona Ana vos esfola vivos se não aparecerem. Inté, cunhados! — disparou, antes de desaparecer pelo mesmo caminho por onde tinha chegado.
— A Nana tem gostos estranhos — comentou Bernardo, ao ver desaparecer entre técnicos e cenários a mulher que a irmã mais nova tinha pedido em casamento.
O homem a seu lado grunhiu de novo em concordância antes de um batuque na entrada da divisão onde se encontravam os chamar a atenção.
— Interrompo? — perguntou uma morena do lado de fora. A questão era para o produtor, mas a sua atenção desviou-se para o gigante de roupas escuras atrás de Bernardo. O desconhecido, por seu turno, seguiu a trajetória que a mão manchada pelo vitiligo dela fez antes de se concentrar na sua cara de feições felinas e olhos verdes.
— Não, Andreia. Reúnes-me toda a gente, por favor?
Ela assentiu e afastou-se para cumprir o que lhe fora pedido.
— Andreia Coelho. É a coordenadora de animação — esclareceu Bernardo.
Minutos depois, todas as pessoas presentes naquele armazém tinham sido reunidas na zona mais ampla. De um dos lados de todos aqueles suportes, marionetas, pedaços de cenário e câmaras, estava Bernardo e o homem mais alto. Do outro, o resto da equipa presente naquele dia.
— Peço desculpa ter interrompido os vossos afazeres, mas quero aproveitar a oportunidade para vos apresentar o Caetano Cruz — disse Bernardo.
Ao seu lado, Caetano levantou uma das mãos em jeito de cumprimento.
— O Ricardo teve de se afastar do projeto, infelizmente, e o Caetano vai ficar com as suas funções — continuou Bernardo. — Espero que o ajudem a orientar-se neste período de transição e que consigam trabalhar todos em harmonia. Ainda temos um longo caminho pela frente antes de podermos dar este filme por terminado.
Um jovem levantou o braço no meio da massa humana e Bernardo deu-lhe a palavra.
— Uma vez que o responsável é diferente, se as marionetas ficarem diferentes depois da manutenção, o que é que devemos fazer?
Era o primeiro filme de stop-motion que aquele jovem fazia e a sua inexperiência nunca tinha transparecido tanto como naquele momento. Mesmo assim, Bernardo suavizou a voz e respondeu no mesmo tom que usaria para qualquer outra pergunta ou funcionário.
— Eu sei que o Caetano se vai adaptar ao nosso estilo e que, em princípio, isso não deverá acontecer. De qualquer forma, já temos os moldes todo feitos e as tintas estão identificadas e padronizadas. Não deverá haver problema. — O jovem assentiu, satisfeito pela resposta, e Bernardo olhou em volta. — Mais alguma pergunta?
Andreia levantou o braço manchado.
— Qual dos dois é o mais velho?
Bernardo ficou em choque, mas Caetano apontou para o irmão, como se estivesse à espera que descobrissem o seu parentesco pela coincidência dos apelidos.
— Vocês são irmãos? — perguntou uma mulher no fundo do grupo.
— Sim, somos — Bernardo dardejou olhares para Caetano e Andreia antes de se recompor. — E se não há mais perguntas importantes, podemos todos voltar ao trabalho. Este filme não vai parar às salas de cinema sozinho.
864 palavras
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Amendoeiras em flor ✔
Roman d'amour🥈ᴄᴏɴᴛᴏ ᴠᴇɴᴄᴇᴅᴏʀ ᴅᴏ ꜱᴇɢᴜɴᴅᴏ ʟᴜɢᴀʀ ᴅᴏ ᴅᴇꜱᴀꜰɪᴏ 26 ᴅᴏ ʀᴏᴍᴀɴᴄᴇʟᴘ "Amendoeiras em Flor" é a primeira longa metragem de Bernardo Cruz. Esta tinha tudo para ser um sucesso, até o principal artista plástico encarregado das marionetas e dos cenários adoecer...