Paint the silence

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Eu não queria ouvir a voz dele. Pelo menos era disso que eu tentava me convencer enquanto o silêncio desta tarde, que era igual a todas as outras, assolava o meu quarto, sendo rompida apenas pelos pesados passos do meu pai, que passavam pelo lado de fora de duas em duas horas.

O quão clichê seria presumir que minha vida estava tão vazia quanto esse quarto se faz silencioso? E, ao mesmo tempo, o quão verdadeiro é esse clichê.

Quase que de forma robótica disquei o número dele torcendo para que não chamasse muitas vezes, temendo que meu orgulho consumisse o pouco de coragem, que me fazia companhia agora, e me levasse de volta ao silêncio desta tarde.

- Achei que não ia mais me ligar.

- Boa tarde para você também - respondi forçando um sorriso, e ao perceber que ele não o veria me dei por derrotada assumindo o motivo da ligação - Senti sua falta - falei em um fôlego só.

Ele riu. Um riso suave enquanto eu ouvia algo do outro lado da ligação se chocar levemente contra a madeira, acredito eu, provavelmente algum instrumento de estudo que ele tinha em mãos quando me atendeu, acreditando que eu não cederia tão fácil quanto cedi em confessar o aperto em meu peito.

Aperto esse que parecia ser a única coisa emocional que eu era capaz de sentir, além é claro, da tristeza profunda que me inundava todas as noites. Sempre fazendo com que eu desejasse que ele não desligasse a nenhuma das minhas ligações, mesmo sabendo que em dado horário era necessário.

Hoje beirava os dois meses desde que toda a minha vida foi por água abaixo, após uma aparatação imprudente por uma eu não muito sóbria em um final de semana não muito feliz. Um pequeno erro e pronto, talvez minha perna nunca mais funcionasse como deveria, ao menos não para que eu pudesse voltar a jogar, e graças a isso aqui estou eu beirando fazer parte da mobília do meu quarto, enquanto meu pai e meu tio se revezam com meu irmão em folgas nada planejadas para garantir que meu quadro não se agrave.

Nas primeiras semanas eles tentavam ficar realmente ao meu lado, com filmes e séries, depois de um tempo dado o meu silêncio, eles começaram a tentar acompanhar livros ao meu lado, mas quanto mais eles ficavam por perto mais irritada eu me sentia.

Ter eles por perto era como um lembrete da minha incapacidade de cuidar de mim mesma, mesmo no auge da minha maior idade. O auge da minha maioridade, momento que eu esperei tanto para agora estar aqui, colada no lençol floral que eu nem ao menos gosto e com uma atadura em minha perna há tanto tempo que minha pele que sempre ganhava um leve bronzeado nessa época do ano, se declara mais clara que o curativo.

- Quantos familiares você já fez chorar hoje? - Scorpius perguntou divertido do outro lado da linha me fazendo rir.

- Minha lista continua se resumindo a Lily, que ainda não ousou me visitar novamente - informei entre risos lembrando da reação dela após ser expulsa do meu quarto por tentar incessantemente fazer com que eu me arrumasse.

- Mas você ao menos passou a pentear o cabelo? - ele perguntou ainda divertido.

- Quer ser o segundo nome da lista? - desafiei.

- Para isso eu precisaria que a sua família ao menos soubesse que somos não amigos - sua resposta soou ácida e dessa vez, talvez pela primeira vez, eu decidi não responder. Ele suspirou e prosseguiu - Você precisa começar a ter uma rotina.

- Eu tenho, eu acordo, tomo café da manhã, almoço, penso em como minha vida é uma droga e durmo - ri quase sem humor - E claro, vez e outra tomo um banho ou te ligo, hoje a escolha foi você quem sabe amanhã seja o banho - completei soando divertida mas o suspiro pesado dele do outro lado da linha me mostrou o quanto eu havia falhado até nisso.

Why Can't We Be Friends?Onde histórias criam vida. Descubra agora