Desafiando o desejo

Alea jacta est

"Coz I knew you were trouble when you walked in...

So shame on me now.."

Porchay

Aquela segunda-feira já dava indícios de que seria mais um dia de luta para Porchay Pachara Kittisawat quando o barulho alto de um trovão o acordou, naquela manhã. O susto fez com que acordasse com um sobressalto, ao mesmo tempo que o alarme estridente do celular tocou. Lá fora, as nuvens pesadas e escuras anunciavam um dia de caos e quando seus pés aquecidos pelo lençol tocaram a porcelana fria do piso, um arrepio percorreu seu corpo.

O banho não durou nem 10 minutos, e o café da manhã foi feito e engolido às pressas na cozinha da casa que dividia com seu irmão mais velho, Porsche- que no momento estava praticamente morando no trabalho, desde que virara guarda-costas de um empresário rico da cidade de Bangkok. Ou assim seu irmão descreveu o chefe mais recente -. Mas claro que na correria, engoliu o ovo que fez correndo, esquecendo o sal e queimando a língua, bebeu o leite gelado direto da caixa, respingando um pouco na blusa preta de malha e, por fim, acabou vestindo os sapatos sem as meias para não perder o ônibus que o levaria a faculdade, quase se esquecendo do casaco preto e da sombrinha na porta.

Espero que não aconteça nada no caminho, o trânsito fica uma merda quando chove - pensou enquanto ajeitava o cabelo liso e preto cortado recentemente, ao chegar na parada de ônibus.

E de verdade esperava que nada pior acontecesse naquele dia, pois apesar de ter acordado na hora, ele queria estar o mais cedo possível na faculdade. O coração acelerou só de pegar o celular e reler a mensagem do seu amigo Nuea, colega do curso de jornalismo da Universidade Chulalongkorn, com quem também estagiava no Bangkok Post, principal jornal de notícias do país. Ainda se lembrava do orgulho na voz e olhar do irmão quando ele anunciou que tinha passado no difícil processo de seleção do local. Foram três semanas entre entrevistas e depois elaboração de colunas como teste, para finalmente ouvir o tão esperado sim do seu supervisor.

Nossos pais estão tão orgulhosos como eu de você, Chay. Tenho certeza que você vai ser o melhor dali e todos ainda vão ouvir do grande colunista Chay Pachara, pode esperar. Vai mostrar que pessoas de origem humilde como a nossa também podem vencer. Eu amo você.

Lembrar daquele momento ainda lhe enchia de orgulho e colocava um sorriso no seu rosto, mas ao olhar a mensagem, ela tirou um pouco daquele sentimento, e o nervosismo e ansiedade atacaram novamente:

Chay, finalmente consegui o número !!!! 662-687-909 ! E pode confiar no papai aqui que a fonte é TOTALMENTE confiável. Vai por mim, esse é o número correto. Agora chegue cedo na sala. Precisamos pensar no que você vai dizer para conseguir a bendita entrevista.E não precisa agradecer, só me pagar uma bebida no The Cave xp!

Respirando fundo, ele olhou de relance para a janela e viu que a chuva finalmente começava a cair, mas o trânsito ainda não estava tão ruim e por sorte não morava tão longe da universidade.

Chay não era uma pessoa muito supersticiosa, mas sua mãe costumava dizer que chuva era sinônimo de bênçãos, então esperava que ela estivesse certa e ele errado. Esperava mesmo que Nuea tivesse conseguido o número certo. Seu trabalho final de curso e, talvez sua chance de ser efetivado no jornal no futuro, dependia daquela entrevista. Já tinha lutado muito para conseguir uma bolsa integral ali dentro e não ia falhar no seu último trabalho do penúltimo semestre.

Ao passar por uma das principais avenidas da cidade, viu o motivo de seu tormento nos últimos oito dias o encarar de um outdoor. Kim Theerapanyakun, artisticamente conhecido como WIK, vestia uma camiseta branca com a palavra HUMAN escrita em letras garrafais pretas e calça preta de couro, duas argolas brilhando em uma das orelhas, segurando uma guitarra vermelha apoiada em uma das suas pernas que estavam cruzadas sobre a outra. As datas do seu próximo show anunciavam que em duas semanas Bangkok veria mais um espetáculo seu.