Parte I

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— Se a senhora não me contar a verdade, será acusada do assassinato do seu marido, Senhora O'donnell.

Lauren O'donnell se remexeu desconfortavelmente na cadeira dura da sala de interrogatório, enquanto sentia o olhar duro de Adam Rogers, o delegado da pequena cidade de Round Top, Texas.

— Eu já disse, delegado Rogers — Ela remexeu a boca — Meu marido simplesmente sumiu de casa e... Eu não sei como, ele apareceu naquele porão, daquele...

Ela abaixou a cabeça e começou a chorar, ao lembrar da terrível cena com a qual foi recebida, na noite anterior.

Rogers suspirou e se recostou na cadeira dele, sem tirar os olhos da bela loira, agora, viúva.

— Veja bem, nossa cidade é bem pequena e... Não tivemos visitantes. Nada estranho. E a senhora está afirmando que o seu marido estava há duas semanas, no seu porão. Morto. E a senhora não notou nada.

Lauren levantou os olhos azuis, cheios de lágrimas e avermelhado nas beiradas, de tanto chorar. Ela estava claramente indignada, uma vez que a vermelhidão não se restringia apenas aos olhos, como ao rosto, estendendo-se ao couro cabeludo e, claro, ao pescoço.

Rogers seguiu o olhar para baixo, onde a pele exposta era pouca, mas o suficiente para que ele não conseguisse deixar de imaginar o que teria por baixo. Se ele esticasse o dedo e abaixasse o pano, só um pouquinho...

— Eu não matei o meu marido! — Lauren esbravejou, trazendo o delegado de volta à realidade. Ele franziu a testa e ralhou consigo mesmo, por pensar em algo daquela natureza quando estavam diante de um caso de, sem sombra de dúvidas, assassinato.

Ele estalou a língua e logo apertou os lábios, inclinando-se para a frente, as mãos em cima da mesa, unidas como se ele estivesse rezando.

— Veja bem, Lauren. Vou falar agora como um amigo, e não como o delegado — Rogers limpou a garganta e olhou bem nos olhos da mulher que ele desejou desde que se entendia por gente. Mas ela se casou com outro enquanto ele estava fora, estudando e, infelizmente, não havia muito o que fazer — Ashton era um homem pacato, mas que conhecia muita gente. E não tinha inimigos. A única pessoa a lucrar com a morte dele, herdando uma bolada do seguro, seria você.

— Mas...

Ele levantou a mão, pedindo que ela esperasse e assim Lauren o fez, mesmo que emburrada.

— Não estou apontando o dedo pra você. Eu só... Estou dizendo que não há outra explicação, mesmo que não tenhamos provas de que você o matou, mas é o mais próximo do aceitável. Entende o que eu quero dizer?

Lauren inspirou fundo.

— Sim, eu entendo. Mas eu juro por Deus, não fui eu! — Ela levou as mãos ao rosto, chorando um pouco mais — Ashton era... Era o amor da minha vida! Nosso casamento era ótimo e... Quando senti o cheiro horrível, eu desci ao porão.

— Lauren...

— Pelo amor de Deus, Adam! Vocês revistaram a minha casa de ponta cabeça, quando o Ashton sumiu! Olhe pra mim! Acha que eu conseguiria carregar aquele homem imenso pra cá e acolá?!

Não, Adam não achava. Lauren era uma mulher pequena, magra, de constituição frágil. Pensar que ela poderia lidar com Ashton, o grandalhão do Ashton O'donnell, era até uma piada.

— Certo, certo — Adam levantou as mãos em frente ao corpo e balançou a cabeça — Eu não sei por que, mas... Eu acredito em você, Lauren. Acredito que não matou o Ashton. A questão é: como nós vamos convencer os outros?

Lauren piscou algumas vezes, a boca levemente aberta. Ela a fechou e engoliu a saliva, passando então a língua pelos lábios, nervosamente.

— Nós?

Adam arrastou a própria mão pela mesa e tocou com a ponta dos dedos a mão de Lauren.

— Se você é inocente, é meu trabalho provar isso — Ele ofereceu um sorriso simpático a ela — Mas você vai ter que confiar em mim plenamente, Lauren.

A mulher, ainda embasbacada com a atitude do delegado, apenas concordou com a cabeça. Não é que ela confiasse nele, de fato, mas então, que melhor opção ela tinha?

A noite daquele vinte e três de outubro estava fria e Lauren sentiu a brisa em seu rosto assim que saiu pela porta. Ela foi liberada para casa. Por ser mulher e mantê-la na única cela daquela pequena delegacia, com apenas dois homens trabalhando no turno, além do delegado, geraria comentários maldosos.

O ano de 1979 estava com algumas novidades, como a transformação da Menke House em uma residência docente e centro de conferências, com o belo teto neogótico que Lauren achou maravilhoso. Ela sorriu amarga, lembrando como Ashton reclamou que ela tinha um péssimo gosto, mas a encheu de beijos e eles passaram uma noite cheia de paixão.

Respirando fundo, Lauren começou a caminhar, enquanto fechava o casaco fino sobre o corpo. Ela estava perdida em pensamentos sobre Ashton, quando algo tocou-lhe o ombro, assustando-a.

— Minha nossa! — Ela levou a mão ao peito, sentindo-o quase saindo pela roupa de tão forte que estava batendo.

— Perdão! Eu não queria te assustar, Lauren — Rogers sorriu para ela e colocou as duas mãos nos bolsos da calça — Deixei os rapazes cuidando de tudo e vou te levar em casa. É perigoso, mesmo numa cidadezinha como a nossa, uma bela mulher andando sozinha a essas horas.

Por tudo, Lauren só podia supor o monte de nada que os oficiais faziam ali dentro. A cidade não era muito movimentada na maior parte do tempo.

— Obrigada, mas acho que é melhor não — Ela olhou em volta — Eu sou uma suspeita, não é mesmo? Podem achar que o senhor está me acobertando.

E ele estava, não é mesmo? De certa forma, ele estava, pois decidiu ajudá-la sem ter qualquer prova a favor dela.

— Sou o delegado. É meu dever garantir a segurança — Rogers falou cheio de si, mas logo o peito dele murchou ao ver o semblante sério de Lauren. Ele não garantiu a segurança de Ashton.

— Obrigada — Foi a resposta dela e os dois caminharam em silêncio, até chegarem à cerca branca, ladeada de roseiras da casa dos O'donnell.

— Está entregue! — Rogers disse, sorridente e precisou manter em mente que Lauren era uma recém-viúva e convidá-la para jantar era completamente absurdo. Insensível.

"Repugnante!". A lembrança da voz feminina ecoou na mente dele e Rogers fechou os olhos, apertando-os.

— Adam? — O toque gentil de Lauren no braço dele o assustou de leve — Você está bem?

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