GAME OVER

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Cameron tem um milk-shake tamanho grande numa das mãos, e na outra, um x-bacon gorduroso que ele vem mastigando enquanto caminha despretensioso pela calçada. É o seu dia de folga hoje, e Cameron resolveu fazer uma caminhada pelo bairro onde morou até se tornar um adolescente cheio de acne no rosto.

Nem o calor escaldante dessa tarde ensolarada o incomoda. Se sente nostálgico, revivendo em sua mente lembranças antigas de outros tempos. Muitas coisas naquele lugar haviam mudado é claro. Casas das quais ele se recorda desapareceram, dando lugar a altos prédios, lojas de artigos esportivos, academias e grandes supermercados.

Cameron espera o sinal do semáforo pular do amarelo para o verde, atravessa o cruzamento e anda por mais alguns metros, então para.
Um cartaz com as cores já meio desbotadas e as laterais se despregando da parede chama sua atenção. Ele nem mesmo percebe quando seu copo de milk-shake cai no chão e sai rolando calçada abaixo. Seus olhos por trás das grossas lentes com armação plástica estão arregalados.

Cameron numa espécie de transe hipnótico dá um passo à frente, e observa a ilustração no cartaz:
um demônio de pele avermelhada, olhos negros e longos chifres em espiral, exibe dentes serrilhados num grito de guerra. No fundo da imagem, chamas vermelho-alaranjadas sobem até quase o topo do cartaz onde HELLFIRE está escrito em letras maiúsculas com sangue escorrendo delas.

- puta merda - exclama Cameron - não tô acreditando nisso.

- conhece o jogo? - pergunta uma voz vindo do seu lado o tirando do transe.
Cameron se depara com um homem gordo de meia-idade o observando encostado na porta de entrada. Seus braços estão cruzados na frente do peito largo, e seu semblante é de pura curiosidade.

- hã... sim. Quer dizer, claro que sim! - diz Cameron empolgado - eu jogava esse jogo todos os dias depois que saia do colégio. Zerei ele um milhão de vezes em todos os níveis de dificuldade.

- então você deve ser um jogador das antigas - fala o homem.

- essa casa de fliperama - comenta Cameron - pensei que ela não existisse mais. Muita coisa mudou nesse bairro desde que estive aqui pela última vez.

- venha, entre - disse o homem sinalizando com a cabeça - é sempre um prazer receber jogadores da era de ouro dos videogames.

Cameron passa pela porta, e de repente é como se ele tivesse entrado numa máquina do tempo que o transporta para o início dos anos 90.
Tudo está exatamente como ele se lembrava. O interior é amplo, espaçoso e escuro. O ar alí dentro fede à cigarro misturado com o cheiro de chiclete e coisas velhas. Há apenas um balcão sem vitrine à direita logo após a entrada, e no fundo ao lado do pequeno banheiro, estão posicionadas em fila horizontal as máquinas de fliperama. São um total de sete, e todas estão com o monitor ligado exibindo suas cores vibrantes.

- me desculpe - diz Cameron se virando para homem - estou tentando, mas não consigo me lembrar do nome do senhor.

O homem solta um sorriso que exibe uma fileira de dentes amarelados e em seguida diz:

- você deve estar me confundindo com o meu irmão Frank. Eu sou Jason.
Herdei esse lugar logo depois que ele morreu à uns seis anos atrás.

- oh, sinto muito pelo seu irmão.

- tudo bem, Frank era descuidado. Seu colesterol estava nas alturas e ele nunca se preocupava em ir ao médico - fala Jason ao mesmo tempo que dá a volta no balcão. Ele se agacha e instantes depois se levanta colocando sobre a bancada, uma lata transparente cheia de moedas escuras cor de cobre. As famosas fichas de fliperama.

- e aí, vai jogar umas partidas daquele jogo ou não? - pergunta Jason indicando as fichas com a cabeça.

Logo após introduzir cinco fichas na pequena fenda na lateral da máquina, Cameron se posiciona à sua frente, agarra o joystick e aperta o botão start no painel abaixo do monitor. Um grande sorriso se forma no seu rosto iluminado pela forte luz emitida contra ele. Seus dedos a princípio tímidos, vão ganhando velocidade aos poucos, enquanto que uma caixa de memórias se abre no interior de sua mente. Nesse momento, ele não é mais Cameron Rogers o analista de sistema de 36 anos, e sim um adolescente sem pretensões na vida, que passava suas tardes em frente a essa mesma máquina de jogo, percorrendo labirintos tridimensionais escuros e explodindo a cabeça de demônios saídos do inferno que saltavam à sua vista.

Seus dedos fazem tec-tac-tac-tac à medida que clicam num ritmo frenético os botões redondos multicoloridos no painel gasto, ao mesmo tempo que ele xinga palavrões e solta gritos de euforia e êxtase.

De repente, todos os monitores desligam e as luzes se apagam.
Cameron larga o joystick em meio a penumbra.

- senhor Jason...? - ele chama, se perguntando quanto tempo se passou desde que ele está ali jogando.

Nenhuma resposta.

- senhor Jason! - ele chama outra vez.

Nada.

Cameron enfia a mão no bolso e pega o celular. Ele então se vira e aponta o pequeno facho luminoso na direção do balcão ao lado da entrada. Ninguém. Cameron varre o cômodo à procura de Jason, mas não o avista em parte alguma. Ele então percebe que a porta metálica de correr está totalmente baixada. Fechada.

- mais que porra tá acontecendo aqui? - ele se pergunta enquanto dá alguns passos rumo ao balcão, mais imediatamente se vira depois de escutar um barulho atrás de si.
A porta do banheiro está entreaberta.
O barulho parece ter vindo de lá, imagina Cameron apontando a luz do celular naquela direção.

- senhor Jason? - ele chama - tá legal senhor Jason isso foi até engraçado. Você me pegou. Cheguei até a sentir um leve pavor, mas vai ter que se esforçar bem mais que isso pra me assustar de verdade.

Cameron empurra a porta que se abre devagar, fazendo um som de dobradiças rangendo. Ele tapa a boca com uma das mãos sufocando um grito de horror. Jason está sentado no vaso com as mãos penduradas ao lado do corpo. A cabeça inclinada para trás, tocando o canto da parede. Seu rosto uma massa vermelha com olhos arregalados que fitam o teto, e uma boca escancarada num grito congelado.

Cameron se afasta devagar, e suas costas então batem em algo. Paralisado, ele sente uma respiração quente contra sua nuca. Uma mão grande pousa sobre seu ombro e uma voz grave fala próximo ao seu ouvido:

- que tal jogarmos outra partida?

FIM

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