Capítulo 2 - É SEMPRE CULPA DO TRÂNSITO

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Tentando afastar o pensamento que tomava sua mente, Martim se apoiou em um bebedouro à sua esquerda, próximo ao final do corredor. Ainda um pouco cansado da viagem, aproveitou para respirar, e se inclinou para deixar a água entrar na boca. Às vezes, essas viagens eram reais demais; e eram mesmo. Martim se ergueu e girou o corpo para seguir caminhando, mas sentiu que alguém o puxava rapidamente e, quando percebeu, já estava encostado ao lado dos armários do corredor. Com uma reação rápida, Martim empurrou a pessoa que o arrastou, enquanto tentava não se desequilibrar. Ao se ajeitar, disparou: 

— Você é foda, né. 

Uma risada explosiva e característica tomou conta do corredor e Martim olhou para os lados para ver se ninguém estava ali para presenciar a cena. Se ele tivesse sido trazido para perto dos armários para não chamar atenção, aquela risada estava acabando com o plano. 

— Fala, Tim! Tudo certo? 

Tudo certo, tirando você ter acabado de me empurrar em um armário e estar rindo como uma hiena. A figura à sua frente era um menino magro, alto, de cabelo e pele preta. Luis Coelho era o melhor amigo de Martim desde o jardim de infância. A convivência fez com que suas famílias ficassem próximas e até namoro entre seus irmãos acabou acontecendo. Luis, ou Luly como era conhecido pelas garotas, era o único menino negro do colégio, falava francês e era da equipe de natação. Tinha o tipo de humor incapaz de perder uma piada e com frequência ganhava inimigos pelo caminho, mas, de modo geral, o apreciavam. Naquela manhã de sexta, ele usava um moletom escrito Aspen Mountain e a mochila jogada sobre um dos ombros. Seu tênis desamarrado, denunciava o estilo parecido com o de Martim, que inclusive usava o mesmo tênis surrado de sempre. Martim respondeu sem muito entusiasmo: 

— Opa, sim, tudo certo. 

— Olhou para o corredor para ver se não estavam atrapalhando os outros colegas. 

— Acabei de sair da prova. 

— Passou? — perguntou rindo, dessa vez com uma risada amena, fazendo com que Martim se sentisse menos exposto. 

— Pô, o que você acha? 

Sem muita delicadeza, Martim tirou a mão direita do bolso e olhou para o anel. Deu um sorriso trapaceiro para Luís. O amigo conhecia o significado daquilo. 

— Pena que esse anel nunca conseguiu me ajudar, né? — disse Luís. 

 Luís era a única pessoa que acreditava nas viagens no tempo de Martim, ou pelo menos fingia acreditar. Nunca tinha conseguido levar o amigo em suas idas ao passado, isso, contudo, não era um problema. Luís continuava acreditando e Martim, por sua vez, achava até melhor não conseguir realizar tal façanha. Sempre imaginou tudo o que poderia dar errado com Luís em outra época. Melhor assim. Os dois seguiram em direção à escadaria de acesso ao estacionamento e à área de embarque e desembarque de alunos. As escadas eram a única parte descoberta do colégio e infernizavam a vida dos alunos nos dias de chuva. Ao pisarem no primeiro degrau, logo sentiram a quentura do sol atravessar seus uniformes e ambos tiraram os casacos. Era quase dezembro e para Martim essa época do ano só significava uma coisa: chegar no prédio e pular na piscina. No final da escada, Martim foi diretamente para área de embarque e desembarque, olhou para os carros estacionados e localizou um carro de luxo preto, a poucos metros. Seguiu até o carro, quase correndo, abriu a porta do carona para entrar e encostou confortavelmente no banco de couro, com sua mochila entre os pés.  

— Fala, seu José! — disse Martim, enquanto batia a porta do carro. 

— Boa tarde, Martim! Podemos ir? — perguntou o motorista. 

— Sim, decolagem autorizada! 

Seu José da Silva era um senhor de 54 anos, de cabelos e bigode grisalhos. Trabalhava como motorista da família Lafayette há 20 anos e dava ótimos conselhos durante os trajetos. O caminho de casa foi relativamente tranquilo, apenas com os buracos e as buzinadas costumeiras. 

 — Foi bem na prova de história? 

 Martim estava com o rosto encostado na janela, compenetrado em seus inúmeros pensamentos. A voz de seu José entrou em sua cabeça e o acordou instantaneamente para o mundo real. Martim melhorou a postura no banco, virou a cabeça para o banco do lado e deu um sorriso. 

— Acho que sim, seu José — respondeu Martim modestamente. — Quase certeza de que já estou de férias. 

Seu José soltou um grito de comemoração e os dois riram juntos. O trajeto para casa seguiu como de costume, com algumas conversas sobre a vida dos dois. Seu José sobre as fofocas do condomínio, falou também sobre sua primeira neta, que agora estava começando a falar, e contou algumas histórias engraçadas de sua infância no interior.  

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⏰ Última atualização: Jul 26, 2022 ⏰

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Martim Lafayete e o Contra-TempoOnde histórias criam vida. Descubra agora