Raiva

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Toto já tinha perdido a noção do tempo que estava parado naquela posição, em absoluto silêncio. Os olhos dele estavam grudados na carta de demissão, as letras pretas contra o papel creme parecendo cada vez mais vazias a cada leitura, o rabisco no fim da página parecendo cada vez menos familiar.

Na mente dele, uma frase era repetida constantemente, como se estivesse sendo reproduzida em um disco riscado.

"Eu estava espionando a equipe".

Sentada na sua frente, Alison repassava a agenda dele para o dia.

— E, ainda de manhã, você tem uma reunião com a nova aerodinamicista-chefe.

Toto ergueu o olhar do iPad.

— Y/N, certo?

— Isto mesmo. Está marcado para às nove da manhã.

Ele empurrou os óculos de armação quadrada de volta para o topo do nariz.

— Me avise quando ela chegar. Quero recebê-la pessoalmente.

Largando o papel na mesa de madeira clara e se virando de frente para a superfície, Toto estava com o maxilar travado, os punhos fechados e o sangue fervendo nas veias. Ele nunca tinha sentido tanta raiva quanto naquele momento.

Nem nos seus piores momentos.

Nem mesmo quando tudo parecia perdido.

"Como ela pode fazer isso comigo?", o austríaco se perguntava.

Pontualmente às nove horas, o telefone da sala dele tocou.

— A senhorita Y/N está aqui embaixo — Alison disse.

— Estou descendo — Toto respondeu, se levantando da cadeira de escritório azul-marinho e caminhando em direção ao elevador, apertando o botão para descer. Logo as portas prateadas se abriram e ele entrou na caixa de metal. Quando as portas deslizaram de novo, Toto saiu com passos apressados, se detendo ao dar de cara com uma mulher agachada em frente ao W11 que estava estacionado no hall de entrada.

Y/N.

Observando a cena por alguns segundos, ele percebeu que ela estava analisando o carro com atenção, sem ao menos perceber a sua aproximação.

— Uma obra de arte, não é? — Toto sorriu, fazendo a mulher se virar.

Um estrondo ecoou pelo escritório vazio.

Depois outro. E mais um. E mais um.

Depois, silêncio.

Com o punho cerrado contra a mesa, Toto respirava pesadamente. A sua mão doía, mas ele não podia se importar menos com aquilo. Tantas vezes ele já tinha dado socos em mesas, descontando a sua frustração com algum problema ocorrido durante a corrida. No entanto, nem aquilo ajudou a descarregar aquele sentimento ruim que se acumulava no seu peito.

"Imagens, vídeos, números, simulações, cenários", ele rememorava as palavras que Y/N tinha dito minutos antes.

— Por quê? — ele murmurou.

Depois da terceira reunião por videoconferência, a única coisa que Toto precisava era de uma xícara de café forte para aguentar aquela madrugada de conversas com pessoas que estavam do outro lado do mundo.

— Maldito fuso horário — ele murmurou, caminhando lentamente pelo corredor em direção ao refeitório da fábrica. Porém, Toto se deteve ao perceber que havia uma sala com a luz ligada. Ao chegar na porta, ele viu Y/N sentada em frente ao computador, movimentando a cabeça no ritmo da música que estava tocando nos seus fones de ouvido.

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