MY LIFE IS STARTING OVER

242 30 1
                                    

No instante em que os portões da clínica são abertos e Louis é enfim liberado, com alguns de seus pertences socados de qualquer jeito na mochila desbotada, a carteira segura no interior do bolso da jaqueta de couro e uma pulseira de identificação no pulso esquerdo, ele se sente um novo homem. Quando o brilho característico do verão morno e seco de Seattle lhe atinge os olhos e o aroma fétido de esgoto das ruas cinzentas surra seu nariz, ele se sente invencível. Mas é só atravessando o subúrbio, chutando latinhas vazias pelo caminho, que a coisa realmente o acerta e o rapaz de fato decide que este será a porra de um recomeço. Ele vai pra faculdade - sim, ele vai se candidatar amanhã mesmo, pra turma de Teatro. Ele vai ligar para a mãe e pedir desculpas. E ele vai arranjar um bom emprego, algo propriamente estável e digno - talvez se Louis pedisse com jeitinho o senhor Hargreaves o aceitasse de volta no armazém, mas não sem antes ameaçá-lo com um taco de baseball pelo último rombo na caixa registradora - e com alguma grana ele sairia da cidade, quem sabe Boston, ele tem um primo em Boston, os dois poderiam compartilhar uma kitnet, viver o sonho americano em Massachusetts...

Deus, é a primeira vez em dezoito anos inteiros que ele se sente jovem de verdade, com um propósito de verdade. Quase como se tivesse nascido de novo.

A reabilitação pode fazer maravilhas com a sua cabeça se você estiver arruinado o suficiente. Sério. Ele até já está com saudade das enfermeiras ranzinzas, do zelador punheteiro e dos passeios no pátio deprimente de concreto.

Louis só precisa de um bom banho, um barbeador elétrico e cinco pratas pra um maço de cigarros e então ele estará pronto para conquistar o mundo.

Ele é o cara do momento agora, com a fuça cheia de espinhas e tudo.

É bom estar sóbrio novamente.

Com isso em mente, ele encara os seis lances de escadaria empoeirada do prédio e gira a fechadura enferrujada com a camisa já grudando no peito e suor acumulando nas costas.

Louis deliberadamente larga seus trapos imundos no chão da sala, muito contente de ainda haver mobília ali dentro - um bom sinal. A guitarra vermelha encostada no canto da parede descascada e o par encardido de coturnos estirados no carpete manchado também anuncia que o dia é promissor.

"Por que minha princesinha não veio dar as boas-vindas, huh?", ele grita.

Em resposta, uma risada arrastada ecoa alto pelos pelos ladrilhos do banheiro. "Eu acabei de chegar. Tô morto."

"Madrugada agitada no clube?"

"Você não tem ideia."

Louis se junta a Harry na banheira - estilo vitoriana, cafona pra caralho, repleta de rachaduras irregulares - água quente e espuma se esparramando pelo piso verde enquanto os dois se acomodam no espaço limitado. Harry é o namorado de Louis. Um roqueirinho pálido e magrelo em ascenção - se você conta o Off Ramp Cafe como algo, quer dizer, eles abriram no outubro passado, não é muita coisa -, bastante ambicioso e com uma cicatriz grosseira na testa estrategicamente coberta pelo cabelo ondulado. Ele tem vergonha dos pais ricos e alugou esse estúdio, convencendo a todos com o seu papinho furado de que tinha fugido da penitenciária e que a mãe morreu num assalto quando ele ainda era apenas uma criança inocente.

"Senti sua falta, docinho."

"Sentiu, é?", o moleque quase ronrona de satisfação quando tem o corpo do outro encaixado atrás dele, os braços longos o envolvendo, as pernas peludas enroscadas nas dele. Harry não é nada sem Louis. Foram dois fodidos meses sem ele.

"Muito", Louis mordisca a orelha pequena e bonita, uma, duas vezes, descendo um pouco para a curva do pescoço lisinho, vendo a pele imaculada se arrepiar inteira quando ele a beija. "Vai deixar eu te comer bem gostoso mais tarde?"

"E por que não agora?"

"Vendi meu esperma pra um doido no beco. Ele me deu um relógio e uns cupons em troca."

Harry ri, rolando os olhos nada impressionado, apaixonado demais para se importar. "Você é inacreditável."

"E você ama."

"Eu amo", ele deixa um beijinho molhado no maxilar ossudo de Louis. "Trouxe o equipamento?"

"Yep, dentro da mochila", o rapaz o abraça mais forte por instinto. "Torniquete, seringas, agulhas novas, comprimidos, a porra toda."

O casal só abandona a banheira quando a água está fria. Com a ponta dos dedos enrugada e toalhas ao redor do quadril, eles se encaminham para o quarto - que também é a sala e a cozinha. Louis se joga na cama, se espreguiça e dá um bocejo. Harry se joga em cima do namorado. Eles dão uns amassos, mas há algo errado. Fora do lugar. Louis não sabe dizer. É apenas ruim.

Até que Harry finalmente desembucha: "Tenho uma coisa chata pra te contar."

"Manda."

"Eu estava grávido."

"Como assim estava?"

"É, eu perdi. Dias atrás. Não consegui te falar pelo orelhão."

"Merda."

"Sim. Merda."

Silêncio.

"Wow - isso é, tipo, muito - eu odiei saber disso." Louis está chorando com uma força impiedosa antes mesmo que ele se dê conta. Ele nunca havia pensado em ser pai. Ele se sente um garoto e um homem. É ridículo como agora ele consegue visualizar perfeitamente a barriga branquinha de Harry cheia com o bebê deles. Ele definitivamente seria capaz de amá-lo e cuidá-lo e ensiná-lo a conduzir uma moto e a usar um estilingue. Fica pior quando Louis percebe que Harry provavelmente também pensou em tudo isso quando descobriu, que o menino se agarrou aquilo e o viu, sozinho, escorrer por entre os dedos.

"Tá tudo bem. Vamos esquecer isso, tá?" As bochechas de Harry estão molhadas. Louis o ama muito - diabos, ele daria a própria vida por ele.

Eles nunca irão se esquecer, essa é a coisa. Eles nunca irão se esquecer nem falar sobre isso outra vez, então ele só assente e esfrega uma roupa suja no rosto, desesperançoso e miserável, enquanto Harry se encarrega de pegar os apetrechos com suas mãos miúdas e trêmulas.

Louis o assiste atentamente esquentando a colher por cima de um isqueiro e depois procurando por uma boa veia e tudo acontece e acontece até que os dois adolescentes estejam de olhos fechados, com os membros relaxados e liquefeitos.

"Sabe, Haz, eu acho que a gente devia se casar."

"É? Você se casaria comigo?"

"Sim. Você se casaria comigo?"

"Com certeza, amor. Com certeza."

SUICIDET91: ONE-SHOTSOnde histórias criam vida. Descubra agora