"30" é nosso número do azar.

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Eu me lembro de cada detalhe daquele dia, o dia em que o número "30" virou meu número do azar, assim como é o seu.

Eu me lembro como se fosse ontem,  me lembro quando você me ligou na casa dos meus pais perguntando se eu queria algo do mercado, mesmo que eu soubesse que você já estava pagando, ainda era de manhã e nós tínhamos combinado de tomar café no no parque em frente ao nosso apartamento, eu me lembro de você rindo comigo sobre um novo funcionário que cuida do estacionamento e organiza os carros por cor.

Me lembro de você me pedindo para ir indo, porque você já iria para lá e eu fiquei tão feliz em pensar que ia te ver que sai de lá na hora, mal me despedindo dos meus pais.

Eu me lembro de cantarolar pela ruas, me lembro de cumprimentar aquele velho casal que mora na esquina da casa dos meus pais, me lembro de seguir para a avenida, em direção ao nosso apartamento, me lembro de quando passei no mercado em que você estava e ri tão alto quanto você tinha rido sobre o problema de TOC do novo funcionário.

Eu me lembro de quando eu comecei a desacelerar o carro e me perguntar "Porquê está tendo um transito assim nas primeiras horas do dia?", eu me lembro que não me questionei sobre isso por muito tempo, porque a única coisa que eu queria era chegar em casa rápido.

Eu me lembro que eu estava chegando perto de nossa rua quando vi seu carro, então eu travei, me lembro de ouvir as sirenes da ambulância, mas não lhe dar passagem, me lembro de deixar o meu carro no momento em que eu te vi, ainda dentro daquela Porsche preta tão cara e que você sempre foi tão apaixonado, mas que agora estava tão destruída.

Eu me lembro que não me deixaram entrar na ambulância e eu tive que a seguir de carro, eu me lembro que o meu coração acelerou tanto, que eu podia senti-lo por todo o meu corpo, eu me lembro que minha voz falhou muito enquanto eu ligava para Sirius na sala de espera do hospital, que ele demorou quase 10 minutos para ele entender o que eu queria dizer.

Eu me lembro que eu entrei em pânico depois de ver você em uma maca, com várias pessoas a sua volta, e estavam todos tão desesperados que as minhas esperanças vacilaram, lembro que meu ouvido começou a zunir e que em algum momento eu me encolhi no chão em meios as lagrimas, lembro que o ar faltou em meus pulmões e comecei a pensar em como sobreviveria sem você.

Me lembro de hipóteses passarem pela minha mente, e todas eram tão ruins.

Me lembro de amaldiçoar o universo por ameaçar te levar apenas 3 meses depois de eu te pedir em casamento.

Me lembro de gritar seu nome até que senti braços me segurarem em um abraço e a voz suave da minha mãe ressoar por meus ouvidos, falando palavras de conforto e me mantendo são, assegurando que você iria ficar bem.

Eu me lembro de que se passaram horas até que deixassem as visitas entrarem, você ainda estava desacordado, mas os médicos disseram que você estava estável e que acordaria em poucos dias.

Me lembro que eu passei dois dias lá até que Peter conseguiu me convencer a ir para casa, para tomar um banho e descansar, me prometendo que ficaria lá o tempo todo e me ligaria por qualquer mínima coisa que acontecesse com você. 

Me lembro de entrar no apartamento vazio e minha respiração travar assim que vi seu piano no canto da sala, passando pela minha cabeça a hipótese de você nunca mais o tocar, me lembro que quando me deitei, vestindo as suas roupas, a cada vez que eu fechava os olhos, a visão de você naquele carro aparecia e eu não fui capaz de ver aquilo por muito tempo, ei passei horas me revirando na cama que parecia tão desconfortável sem você lá, com vários "E se" passando na minha cabeça de forma frenética.

"E se acontecesse em um dia diferente?"

"E se acontecessem em uma ponte onde não havia um trilho no caminho?"

"E se acontecesse em uma rua onde tivesse crianças brincando?"

"E se acontecesse em um dia de neve ou de chuva?"

"E se você não estivesse sozinho?"

"E se fosse em um lugar sem sinal?"

"E se não ligassem para o SAMU a tempo?"

"E se a rua estivesse deserta?"

"E se mudasse alguma coisa? Você não teria sobrevivido?"

"E se?"

E esses "e se" se prolongaram até a manhã seguinte, quando eu te vi novamente e o meu coração se acalmou um pouquinho, mas só um pouquinho.

Me lembro que bem cedo de manhã, nos primeiros raios de sol, eu já estava na porta do seu quarto, eu me lembro de falar com você, como se você fosse me responder, me lembro de passar horas lendo o seu livro favorito e me lembro quando dormi segurando a sua mão.

Me lembro quando, horas depois, você acordou ainda meio desnorteado, apertando a minha mão com tanta força quando os médicos entraram no quarto, que ela ficou branca.

Me lembro quando você começou a me fazer perguntas e perguntas que eu não tinhas as respostas, me lembro quando o medico disse que por causa da colisão da sua cabeça contra o teto do carro, suas memorias recentes daquele acidente e um pouco antes dele foram apagadas da sua mente.

Eu sei que você não se lembra de ter me ligado naquele dia. 

Eu me lembro quando você se acalmou e assimilou tudo, me lembro de quando você começou a fazer piadas sobre isso, porque esse é o seu jeito de lidar com as coisas, falando sobre o número trinta ser seu número do azar e como o acidente provava isso, e eu ri de sua piada, mas meu sorriso não chegou aos olhos como o de costume, porque a memoria dele quase sem vida naquele carro ainda estava fresca na minha mente.

Me lembro de dizer "Você está tão lindo" e você rir, porque "Eu estou deplorável".

Mas você não entendeu oque eu quis dizer, você estava bonito porque estava vivo, você tinha a cor de volta ao seu rosto, que naquele momento estava meio corado com o elogio, ainda tinha muitos machucados pelo corpo e estava todo enfaixado em uma cama de hospital, mas pelo menos suas bochechas estavam tingidas de vergonha e não sangue.

Eu me lembro que você disse que tinha flashes do acidente e que estava com medo, e eu disse que também estava.

Me lembro que na noite em que você acordou, eu não dormi, fiquei com medo de que talvez você não estivesse aqui pela manhã, então eu observei você dormir, lembro que para ficar tranquilo, eu repeti diversas vezes na minha cabeça.

"Você está vivo!", "Você está vivo!", "Você está vivo!", "Você está vivo!", "Você está vivo!".

"Você está vivo!"

O número trinta era realmente odiado por mim naquele momento.

Oi pessoas, tudo bem?

Isso foi inspirado naquela musica da Billie Eilish "The 30th", e ela é perfeita gente, juro, vão lá ver, coloquei ela como capa do capitulo. 

Eu espero que vocês tenha gostado, porque eu amei escrever.

Bom fim de semana!

Atenciosamente, Cass.

Eu me lembro - Jegulus.Onde histórias criam vida. Descubra agora