Traços do destino se encontram

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Era uma noite de lua cheia, e algo tremulava no ar enquanto eu me aproximava da Fazenda Vale do Paraíso. Meu coração me gritava que ter trocado o FellowShip na Bulgária por 1 mês de cuidados paliativos numa fazenda, tendo em vista apenas o valor que receberia era errado, mas todos os outros 3 residentes concordavam comigo e queriam a vaga que agora eu preenchia. Eu só não gostava dessa sensação de que estava entrando num território perigoso.

Meus olhos atravessam o vidro iluminado pela luz parca da estrada de barro que levava à cidadela que sediava a fazenda. Não se via nada além de algumas estrelinhas ao longe, o que eu imaginava ser a cidade. O homem parrudo que dirigia a caminhonete em silêncio me encara pelo retrovisor. Estranhamente quieto, me olhava com certo espanto.

- Vamos demorar a chegar? Preciso ligar pra avisar que estou bem, aqui não tem área e a viagem demorou muito mais do que o previsto. - falo. Eu sabia que estávamos chegando, mas tudo ali era tão silencioso que ouvir somente o barulho do carro contra a terra estava me incomodando.

- Vai não, senhora. - ele diz moendo um palito de dente na boca. - Em menos de 10 minutos estamos lá com a providência divina.

Assinto. Ele me encarava pelo retrovisor vez ou outra, e se não fosse chucro, eu diria que estava me estudando.

Passamos rapidamente pela cidadela, pequena, histórica, com uma pequena praça movimentada ao centro, um único barzinho enchendo toda a rua de pedra sabão de gente. Era sexta, afinal.

O carro para numa freada brusca que faz meu celular escorregar das minhas mãos.

- Merda. - o homem desce da caminhonete resmungando, e o sigo. Ele encarava o ponto exato onde a cidade acabava e dava espaço a uma estrada escura, circundada por árvores. Agora uma enorme impedia que qualquer pessoa passasse, a pé ou não.

- O que foi isso? - pergunto.

- O filho do demônio de novo. Eu não entendo porque ainda ninguém foi homem de matar aquele infeliz maldito. - ele rosna, acendendo um cigarro fedido. Me aproximo da árvore que parecia sangrar, tendo o interior do caule vermelho e cheio de seiva, o que mais chamava atenção eram garras marcando a árvore, como se um lobo a tivesse derrubado.

- Foi um lobo?

- É assim que essa gente o chama, mas é o louco do Salvador. - ele traga profundamente, ajeitando o nome sujo na cabeça. - Um filho da puta fodido da cabeça que não consegue deixar a cidade em paz.

- Por que esse homem ainda não foi preso? - pergunto assustada, imaginando um maníaco à solta.

- Estamos bem longe da capital, doutora. O infeliz do Salvador surtou quando o patrão descobriu que não era filho dele e expulsou ele e a mãe da casa grande. Uns anos depois, ele já era moço de seus 20 anos, e o seu Eduardo ainda ajudava de tudo, a pobre coitada da mãe dele apareceu morta, com essas mesmas garras enfiadas no pescoço. - ele suspira, fazendo uma expressão de dor. - Nessa época o seu Eduardo morava na fazenda com o filho mais moço e a mulher nova, uma alemoa da capital, mas fez a tragédia de colocar o Salvador pra dentro da fazenda e deixar ele como capataz. Não foi muito tempo e a alemoa apareceu morta no chuveiro. Desde então ele apronta quando quer, aquele desgraçado. - ele joga o cigarro no chão e encara minha vida expressão atônita, apagando a bituca com firmeza. - A senhora vai ter que passar a noite na pousada, alguém vai vir limpar isso até de manhã.

- Ele matou a mãe? - é tudo que consigo dizer.

- É o que dizem, e é o mais próximo da verdade que sabemos.

Assinto, decidindo ignorar o assunto, sabendo que só ficaria 1 mês ali, e o lobo não tinha motivo para me fazer mal.

Paramos na frente de uma casa colonial de dois andares, onde duas varandinhas se exibiam no topo. O prédio era pintado de um laranja desbotado e tinha detalhes e portas em branco.

A verdadeira face do loboOnde histórias criam vida. Descubra agora