Se não tivesse ido

98 12 3
                                    

Uma semana se passou, e todos os dias, procurei Salvador. Ele nunca estava em casa. Eu teria ido mais vezes, se não fosse o medo de sair à noite e o velho Eduardo LaRossi me mantendo muito ocupada. Ele parecia ter muito que acertar com Deus, porque nem toda morfina do mundo o impedia de gemer, tremer de dor todas as noites. Quando meu trabalho acabava, eu não dormia sem meus fones, a casa parecia mal assombrada e ninguém nela parecia gostar de mim. Não fiz um amigo sequer. Segurava um livro aberto, começado no dia em que cheguei e já estava no capítulo final, quando da varanda nos fundos da casa que eu usava para ter um vislumbre da árvore que ficava em frente à casa de Salvador, vi Anthony voltar para a fazenda. Era o fim de tarde de uma sexta feira ensolarada. Me pus contra as grades e ele acenou para mim, retirando os óculos de Sol que sempre usava.

- Malena! - ele sorri, me abraçando.

- Oi! Como foi a viagem?

- Sempre ótima. Na próxima você deveria ir.

- Não posso, preciso monitorar seu pai. - mostro o aplicativo no meu celular ligado ao monitor que registrava os sinais vitais do velho.

- Ah, claro. - ele sorri. - Hoje tem forró na cidade, o que acha de ir?

- Eu adoraria! Quando não estou com o seu pai estou sempre entediada.

- O pessoal da fazenda não foi receptivo com você? - pergunta interessado, me conduzindo pelo corredor.

- Foi sim. - minto sorrindo. - Eu é que não estou acostumada a essa.. calma. A que horas vamos?

- Às 19 está bom pra você?

- Está ótimo! Vou começar a me arrumar.

Ele assente, entrando no quarto depois do meu. Então éramos vizinhos? Tento não pensar no assunto.

Decido colocar um vestido nude, todo enlaçado por franjas que o enchiam de movimento. Meus cabelos caiam ondulados até a cintura. Coloco uma sandália baixa, sabendo que no calçamento colonial da cidade seria impossível caminhar com saltos, mas se Salvador estivesse lá, eu seria mais uma vez engolida pelos quase 2 metros dele. O afasto do pensamento. Já bastava ter passado a semana sonhando com ele, correndo atrás dele como uma boba, desejando-o.

Seguro com firmeza minha clutch rosa antes de bater na porta do velho Eduardo LaRossi.

- Entre. - a enfermeira, Célia, grita.

- Boa noite. - cumprimento. Da cadeira de rodas, o velho lia alguma coisa até levantar os olhos pra mim. - Vim ver se o senhor está sentindo alguma coisa ou precisando de mim, vou rapidinho até a cidade.

- E pra quem se arrumou tanto? - a voz rasgada pergunta.

Fico branca.

- Pra ninguém, senhor Eduardo. Nessa era em que estamos as mulheres se arrumam pra elas mesmas.

- Não importa. - ele desdenha com a mão. - A resposta passou pela sua cabeça e você deve saber exatamente pra quem foi. - me calo, disfarçando com um sorriso. - Pode ir, doutora. Estou ótimo, nem parece que o câncer está mastigando minhas estranhas.

Assinto, deixando uma prescrição pra caso ele precisasse. Às vezes ele era assertivo, e parecia ter como último objetivo investigar o que se passava na minha mente.

Bato na porta do quarto de Anthony, e como se estivesse de prontidão, ele sai na primeira batida. Só enxergo a penumbra do quarto atrás dele. Ele me olha de cima a baixo, sorrindo estranho em seguida.

- Você está.. uau! Linda, parece as atrizes que as vezes encontro nos restaurantes de São Paulo.

Assimilo o elogio dele, assentindo. O perfume dele era invasivo, áspero, e logo eu o estava comparando com o cheiro do meu touro bravo.

A verdadeira face do loboOnde histórias criam vida. Descubra agora