𝟬𝟬𝟭. Acordo

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NOVA YORK, 1968

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NOVA YORK, 1968

O Sr Bepray era um homem careca, gordo e baixinho. Esta última característica encorajava Quinn a descer a porrada no homem, mas ela se conteve.

— Não pode fazer isso — ela cruzou os braços, os olhos brilhando de fúria. — Esta casa é da minha avó e ela a deixou para mim!

— Lamento muito, Senhorita Madox, mas receio que não há nada que possa ser feito a respeito — Sr Bepray empurrou os óculos pelo nariz e tossiu antes de prosseguir: — Segundo o testamento de...

— OK, OK, podemos pular toda essa parte? — Quinn revirou os olhos, batendo os saltos da bota no chão, impaciente.

— Muito bem, — mais uma tossida — já que a senhorita está familiarizada com a situação, vou repetir: o prazo venceu e precisa dar o fora daqui.

— Seu filho da puta — O Sr Beprey arregalou os olhos e Quinn arrependeu-se imediatamente de suas palavras, cobrindo a boca com as duas mãos. — Perdão — ela disse e a expressão do homem se suavizou. — Eu quis dizer... não há nada que eu possa fazer para continuar aqui?

— Infelizmente, eu receio que não. Mas —, o advogado virou-se para alcançar algo em sua maleta de couro e despejou alguns papéis sobre a mesa —  posso ajudá-la a encontrar uma locação dentro de seu orçamento. Aqui em Nova York mesmo! O que me diz?

Quinn relaxou a postura, reencostando-se na poltrona enquanto corria os olhos pelos números nas folhas a sua frente. Ela não sabia o que dizer. Estivera vivendo naquela casa desde... bom, desde muito tempo. A residência fora construída a princípio como um abrigo para os cidadãos na Segunda Guerra, ou seja, era propriedade do Governo. Eleanor Madox havia conseguido segurar bem a barra para que a neta pudesse recomeçar sua vida na América, mas infelizmente, cedo ou tarde, ser despejada dali era inevitável.

— Senhorita Madox? — O Sr Bepray estalou os dedos, trazendo Quinn de volta a realidade e forçando-a a encará-lo. Ele suspirou. — Como eu estava dizendo... existem outras opções. Estou ciente de que a senhorita não teve uma vida fácil — a palavra "recomeço" lhe veio a mente e atingiu a garota como um tapa. Falar em seu passado era como pressionar a língua contra um dente dolorido — mas pode-se dizer que ele lhe fez um favor. A sua educação é de primeira, não deve demorar a arrumar um bom emprego e...

— Vai se foder.

— Desculpe? — O Sr Bepray uniu as sobrancelhas.

— EU MANDEI IR SE FODER — Quinn pressionou os punhos contra a mesa, os nós dos dedos brancos. — Dá o fora daqui!

O Sr Bepray levantou-se num salto, enfiou seus papéis na maleta de qualquer jeito e saiu porta afora. Quinn o seguiu para certificar-se de que ele havia partido mesmo e cruzou os braços, as costas deslizando na parede até sentar-se no chão. Esfregou o rosto com as duas mãos, derrepente se sentia esgotada. Aquele gordo maldito tem razão.

Seu olhar desviou-se para um dos papéis esquecidos na pressa pelo advogado. Ela puxou a folha presa na sola de sua bota.

Aluga-se locação para dormir em apartamento em Nova York. Aluguel: 350 dólares por mês com taxas inclusas. Disponibilidade imediata, contrato de no mínimo seis meses.
Interessados, entrar em contato com B. Watts - informações abaixo.



Benny desligou o fogão com pressa, deixando os ovos mexidos na frigideira ali mesmo e correu para atender o telefone. Isso lhe causou uma sensação de deja vú incômoda.

Há um ano atrás, com aquele telefone em mãos, ele brigou e rompeu com Beth Harmon. Há algumas semanas atrás, ele havia ligado para ajudá-la junto de Harry e outros enxadristas a enfrentar Borgov. Naquele mesmo telefone ele recebeu a notícia de que ela havia vencido e se tornado a campeã mundial de xadrez.

Desde então o telefone não tocou novamente.

Benny retirou o objeto do gancho, limpou a outra mão na calça e esperou que a pessoa do outro lado da linha se manifestasse primeiro.

Ele desejou que fosse ela.

— Ei... — era uma voz feminina, mas não a que esperava escutar.

Ele murmurou um "ei" de volta, unindo as sobrancelhas em questionamento.

— Estou falando com B. Watts? — a julgar pelo sotaque, ela era britânica.

— Sim — Benny respondeu, reencostando-se na cadeira, ainda mais confuso. Quem é essa mulher e por que diabos está ligando pra mim?

— Meu nome é Quinn Madox e estou ligando para falar do anúncio sobre a sala de estar — ela disse, calma.

Benny bateu os anéis dos dedos na mesa, de repente lembrando-se de sua fatídica ideia de alugar sua sala de estar.

— Ah — ele pigarreou, puxando um papel e caneta da gaveta da mesa — pode me passar o seu telefone? Ou...

— Não...! — a voz dela ficou mais distante e Benny não conseguia mais escutar direito. Ele pressionou mais o telefone contra a orelha. — Não sou... Não, Gabe, agora não. Não dá para ver que estou no telefone?

Quem é Gabe? Uma criança? Essa mulher quer levar uma criança para minha casa? Benny engasgou com a possibilidade.

— Ainda está aí? — a britânica voltara a falar com ele, e não com Gabe e prosseguiu: — Olha, pode anotar meu número. O acordo ainda está disponível?

Benny coçou o queixo, ainda perturbado com a possibilidade de ter uma criança vindo com ela. Mas só uma outra pessoa ligou e com certeza era traficante (não era um julgamento — ofereceu drogas durante a ligação).

Benny precisava desesperadamente de trezentas e cinquenta libras a mais por mês se quisesse continuar morando debaixo de um teto. E até ele mesmo sabia que aquele anúncio era horrível. Quem em sã consciência aceitaria compartilhar um colchão de ar numa sala de estar num apartamento capenga? Mesmo que seja compartilhado com o co-campeão americano Benny Watts, informação cuja ele não incluíu no anúncio por pura vergonha. Aquilo era uma humilhação para a sua carreira.

Mas era o único plano possível.

— Claro. Hã... você gostaria de visitar o apartamento? Que tal sábado de manhã?

Ela responde quase instantaneamente, em alto e bom tom:

— Não será preciso. Estarei aí às dez, pronta para a mudança — houve uma pausa — quer dizer, se não for incômodo pra você...

— Melhor às nove. Vejo você no sábado. O endereço está no anúncio.

— Combinado.

E ela desligou, deixando Benny ali, cheio de perguntas.

Ele colocou o telefone no gancho e soltou um suspiro meio aliviado.

— Fácil: trezentas e cinquenta libras por mês quase na mão — ele murmurou para si mesmo, sorrindo de canto pela vitória.

Agora era só esperar pelo final de semana.

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⏰ Última atualização: Aug 17, 2022 ⏰

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NA SUA PELE, benny wattsOnde histórias criam vida. Descubra agora