3. Encontrei um amigo

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Cada passo uma afirmação de que não nos conhecemos como seres. Um passo e um salto para o desconhecido, é o abismo da alma que fenda a calçada ladrilhada das esquinas, onde encontros e reencontros se repetem trivialmente, sem qualquer sentido.

Há uma turba aguardando o sinal vermelho para atravessar apressada a avenida, desejam correr, buscar o meio-fio oposto, a linha de chegada do nada, porque lá é o nada aguardando coisa alguma, uma travessia que presta o desserviço de ligar o mesmo lugar de partida, uma vez que não importa o sentido da corrida, o transcurso e o resultado são o mesmo.

A travessia é um termo simbólico, invoca a passagem de estados dentro de uma dificuldade: a travessia, é sonora e bonita essa palavra. Ela seria uma espécie de vivência prolongada e carregada de experiências relevantes; essas experiências seriam parecidas com as marcas no âmago das árvores, que revelam para quem possui conhecimento os anos de uma existência. A travessia forma raízes firmes assim como nas árvores os anos fortalecem as suas, fixando-as ao solo, nutrindo-as e prolongando seus ramos pela copa frondosa. Contraditoriamente, a travessia é movimento e arranque; é busca; é uma enormidade de desafios para os quais se impõe o ímpeto juvenil pela descoberta.

Travessia... é hora de atravessar a nebulosidade da vida. O desespero, esse sempre à espreita do homem moderno, está aqui comigo, está empoleirado em meu ombro, pulando para alcançar com sua voz surrada o meu ouvido, quer dar sua mensagem. Hermes o e empurra, mas quem triunfa é o conteúdo da mensagem: chega! Por outra parte, o ombro de lá também sustenta o bicho da ansiedade, maléfico e sagaz; destila ácido no estômago fazendo-nos queimar por dentro e derretendo nossa sanidade.

Alcanço o poeta. Drummond está ali sentado, pernas cruzadas, braços apoiados sobre elas, levemente com o dorso inclinado, cabeça oblíqua observando. O que observa Drummond? Minha invisível matéria translúcida? Não, Drummond, você é gauche, sabe me ver, não tenho a sua envergadura, mas tenho minha dor que é fonte para sua poesia... pensa que não sei? Conheço-te pouco, mas está em mim na mesma proporção na qual nós estamos em sua pena.

Somos tantos nesta cidade, porém poucos vivem nela. Apenas me lembro de você Drummond. Permitiria chamá-lo de você? Não esperaria outra coisa, você é você porquanto sabe que o mundo é maior do que você e na pequenez da existência se faz duro e louco, teu caminho é de ferro, entretanto, jaz a carne e nasce nosso caminho no metal de que é feito agora... volte à Itabira ou para outra cidadezinha qualquer.

Deixe tuas mãos repousadas sobre os joelhos, o afago de que preciso é socorrido por ti nas coisas que me transformam por dentro pela tua fala grafada. Mil homens não diriam as tuas mil palavras com a carga de transmutação que somente elas são capazes de trazer ao pequeno mundo soterrado na lama. Você é maior que o mundo; eu, por minha vez, destruído por ele.

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