Começamos meu treinamento especial logo naquela mesma tarde. O meu objetivo foi traçado: eu deveria produz um escudo de ar capaz de conter vibrações mágicas. Como não possuíamos nenhum ADM, trabalhamos com a única coisa que tínhamos a nossa disposição: nossas vozes. O exemplo de Pandora de que as vibrações mágicas se assemelham às vibrações causadas pelo som acabou por nos dar essa ideia. As fadas iriam falar, gritar ou fazer qualquer outro barulho e quando eu finalmente pudesse criar um escudo de ar suficientemente bom á minha volta os seus sons seriam mutados para mim.
Visto que eu não tinha a mínima ideia do que deveria fazer, acabei por não ter quase nenhum progresso feito nos primeiros dias. Pandora me explicou que, para que o escudo ficasse perfeito, eu deveria criar uma espécie de tornado esférico, de modo que eu ficasse 100% protegida dentro dele. Decidimos focar primeiro na força do meu vento, que tem sido um problema, afinal um tornado formado por uma leve brisa não ia nos servir de nada. Voltamos ao velho treino de tentar arrancar as folhas secas de um arbusto. Contudo, continuei tendo dificuldade, e Surt não estava ajudando. Durante um treino particularmente frustrante, ele voltara a me importunar com comentários sarcásticos sobre meu fraco desempenho, mesmo sob os olhares de censura das outras fadas. Por algum motivo, Surt estava muito mais antipático e irritadiço desde que Pandora veio com a ideia de me treinar para atacar a sede dos Centros de Domesticação. O comportamento dele estava quase me fazendo desistir quando lembrei de uma coisa. Todas as vezes em que consegui produzir ventos fortes foi quando estava sob perigo mortal, quando estive muito eufórica ou quando Surt me irritou. Na primeira vez que usei meus poderes de forma consciente, atirei Surt contra uma parede ao lhe lançar um forte vento. Isso me dera uma ideia e achei interessante tentar. Cochichei ao ouvido de Freya e ela me olhou curiosa. Ela se adiantou e com um gesto da mão fez um novo arbusto surgir na orla da floresta. Seus galhos e folhas começaram a crescer num formato estranho e no fim o arbusto havia tomado a forma quase perfeita da cabeça de Surt, o rosto formado por galhos curvos emaranhados e espiralados, e seus cabelos de labaredas por folhas alaranjadas. O verdadeiro Surt soltou uma exclamação de protesto, aparentemente chocado ao ver sua cabeça plantada, mas antes que ele pudesse fazer algo, eu me concentrei no arbusto-cabeça e no quanto ele me irritava. Fiz um gesto com os braços e no segundo seguinte todas as folhas estavam voando para longe, deixando apenas os galhos do novo Surt calvo.
Ran e Freya gritaram excitadas, e Pandora assentiu em aprovação. Eu fiquei feliz comigo mesmo como há muitos dias não ficava. Eu estava cada vez mais forte.
Surt se recusou a falar comigo pelo resto da semana. Pela forma que ele me tratara nos dias anteriores, cheguei a considerar isso um progresso. A pedido de Pandora, Freya não fez crescer mais nenhum arbusto que tivesse o formato da cabeça de ninguém, então tive que voltar a praticar com plantas normais. O que, no entanto, não me impediu de olhar fixamente para a planta e imaginar a cara de deboche da Fada do Fogo. No treino seguinte eu já conseguia lidar com as folhas verdes, que eram mais difíceis de serem arrancadas. De fato, o meu plano de usar meus poderes na força do ódio me fez progredir com mais rapidez do que eu imaginei. Alguns treinos depois eu consegui arrancar o arbusto inteiro, com raiz e tudo, do chão. Foi nesse momento que Pandora admitiu que eu estava forte o suficiente.
Resumindo a parte final do meu treinamento, em pouco tempo consegui concentrar o vento num escudo capaz de conter vibrações. O vento espiralava á minha volta como um tornado esférico que abafava as vozes de todos. Fiquei tão contente que cometi um erro e causei um acidente. Durante a euforia, perdi o controle do escudo, e o ar superconcentrado escapou de uma só vez para todos os lados, como se uma bomba tivesse explodido. As fadas atingidas foram arremessadas para longe, inclusive Pandora. Ela caiu com um baque, o Cristal das Fadas quase saiu do seu pescoço enquanto ela caía. Tive a impressão de ver sua cobertura de queratina preta derreter em alguns pontos, depois voltar ao normal. Fiquei muito assustada pois, como fui informada, Pandora não poderia sobreviver sem o cristal. Ela, ainda que uma doença tivesse feito seu corpo crescer a um tamanho humano, era um leedwee, como tantos outros.
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Coração ao Vento
FantasyOpressão e Preconceito tomam a vida dos Leedwees, os servos da humanidade, que nada podem fazer para se defender, e os que têm menos sorte tem que escolher entre uma vida de sofrimento ou virar cinzas.