Corte Inóspita

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No desespero da madrugada o jovem verme, que possui um nome indizível para nós humanos, acorda. Chamaremos este de Lamento, e daremos nomes parecidos a outros vermes, mas precisamos lembrar que esses nomes que os chamaremos são dados apenas a vermes de extrema importância, e apenas depois de uma enorme análise de sua vida, onde então vermes designados como historiadores, que não possuem ouvidos e nem olhos, e tem todas as informações transferidas diretamente ao seu cérebro, podem dizer qual é o nome do falecido verme. Essa análise dura alguns segundos, mas através da tecnologia, os historiadores passam por anos inteiros de pensamento nesses poucos segundos.

Lamento é o primeiro de seu nome. Durante a vida o chamavam por apelidos e títulos, coisas que após a morte não fazem sentido. A partir de agora esses apelidos sem sentido serão trocados nesse livro por seu nome, para ficar mais fácil a leitura.

- Lorde Lamento, levante-se rápido! - Disse a criada sem nome, em prantos - É o seu pai! Você precisa vir o mais rápido possível.

Enquanto a criada corria deixando a porta aberta, Lamento tentava lembrar da última vez que viu seu pai. Fazia pouco mais de um ano, na comemoração da criação de uma nova sequência de fábricas. Seu pai se tornou recluso de lá para cá, se mantendo no seu quarto e escritório sempre que podia, em uma terrível depressão. Ninguém sabia ao certo o que tinha acontecido, mas ele monitorava todas as linhas de produção ali de dentro, e quando precisava ir a encontros e reuniões, mandava um avatar no seu lugar, e controlava-o a distância. A verdade é que Lamento sabia o que tinha acontecido, e estava tomado de grande desespero.

- Onde está Afronesia? - perguntava Lamento de seu pai para a criada do lado de fora de seu quarto - Eu quero vê-lo!

- Sinto muito jovem Lorde, ele foi encontrado além de qualquer reparo... A corte precisa vê-lo senhor, você precisa tomar algumas decisões antes que isso vá a público.

- Do que ele morreu? A quanto tempo ele estava doente? - perguntou Lamento, segurando as lágrimas e mantendo seu rosto neutro.

- Ele não estava doente jovem Lorde... O seu pai... - a criada parecia ter medo do que Lamento poderia fazer se ela dissesse, mas era obrigada a dizer mesmo assim - O seu pai encerrou a própria vida!

Nas próximas duas horas Lamento se apressou para ficar em bom estado para a corte. Colocou suas roupas de nobre vérmico e meditou, como tinha sido lhe ensinado, para ter certeza de que não derramaria lágrimas de fraqueza em frente a outros vermes.

"Como um homem tão valente pode ter feito algo tão fraco? E se ele caiu tão fácil, o que será de mim quando tiver acesso ao trono? Em poucos dias serei o novo barão, e não conheço nem as tecnologias que o nosso reino tem utilizado. E as guerras corporativas que papai enfrentou tão fácil? Serei esmagado em segundos, como um verme inútil." Pensou Lamento, enquanto meditava.

A verdade é que a corte estava toda pronta e esperando apenas a chegada do jovem lorde para fazer a rápida coroação. Mesmo os mais importantes vermes se tornaram apenas engrenagens em uma máquina de sangue, e essa precisava ser substituída o mais rápido possível, para que assim o sangue seguisse jorrando.

A corte era composta por uma meia lua onde os barões das corporações aliadas se sentavam, e no meio uma cadeira valiosa ficava, onde o objeto de interesse da corte se sentaria. Atrás da cadeira havia uma abertura, por onde todos do reino que chegassem primeiro conseguiriam ver, e é claro, tudo que acontecesse ali seria filmado e repassado para milhares de bilhões que não podiam parar de trabalhar. Mas hoje a situação era diferente, e a reunião da corte precisava acontecer em segredo. Então quando Lamento chegou, a primeira coisa que ele observou é que a parte de trás do salão estava fechada com cortinas de ferro, e apenas os vermes importantes iriam presenciar o que aconteceria no salão.

A chegada de Lamento trouxe silêncio ao inóspito salão. Os murmúrios pararam, e os inquietos barões se ajeitaram em seus tronos. Um dos tronos estava vazio, pois não havia avatar para representar Afronesia hoje. Na verdade, o pobre do avatar, assim que a morte do pai de Lamento foi descoberta, foi queimado vivo, como significado que sem seu empregador vivo, ele perdeu a pouca importância que tinha, nem sendo mais considerado um verme vivo. Os barões tinham formatos diferentes, alguns eram morbidamente obesos, pois não viam a necessidade de mover um dedo sequer, e outros eram finos como palitinhos, já que nem o próprio peso precisavam levantar. Qualquer sinal de força no corpo de um barão era visto como feio, pobre e desimportante, já que força era algo reservado apenas para servos e trabalhadores. Lamento porém, não era ainda um barão, e apesar de ter acesso a servos, preferia fazer as coisas ele mesmo, já que ele sabia que cada segundo de trabalho que ele pode fazer acabariam no momento que ele se tornasse barão. Além disso ele não entendia como os servos fortes e ágeis não derrubavam os seus senhores. Seria tudo tão mais fácil para eles, não seria?

Pensamentos assim mudariam a rota de Lamento que seu pai tinha planejado, mas por hoje toda decisão que ele tomará será mais banal, sem sentido, e muitas vezes tendo o mesmo resultado que decisão não tomada.

- Que comece a resolução do acontecido. - falou Tremendo.

- Será o garoto de grandeza e importância o suficiente para não jogar fora o legado do pai? - disse Terrível.

- Sem desmerecer os rígidos ensinamentos de Afronesia, não é verdade que o morto não via o garoto a mais de um ano? - disse Traição.

- Caso o garoto queira deixar a importância de lado, eu posso assumir parte das ações, creio que alguém deverá arcar com tal consequência - disse Triunfo

- Declare-se Verme. - disseram em conjunto.

- Com respeito a memória do meu pai governarei, como ele desejava, sua importância e corporação.

- Então arque com a sua decisão. - julgou a Corte.

Papéis eram entregues a Lamento, que olhava para cada um deles sem concentração. Papéis e mais papéis, testes e exames, mas também tempo perdido e burocracias de ferro. O jovem lorde falava bem, mas talvez não fosse importante o suficiente, talvez não passasse de um verme.

Meses de trabalho se tornavam anos de estudo, tudo para que a porcentagem de poder segurada pela atual corte pudesse manter uma divisão a menos. Para Lamento, era claro a importância desses papéis, e era mais claro o que a corte queria, mas seu pai também queria, e a escolha do que sua vida significava, apesar de não ser escolha dele, foi escolhida por ele para que fosse orgulhar seus antepassados. Mas o caos do universo e o infinito tempo não acontecem conforme um verme acredita que deveria acontecer.

O dia ainda não terminou, e os deveres do quase Barão só aumentavam. Lamento se apressou e achou seu lugar de calma, deixou que o desespero escorresse de seu rosto, e que o medo fugisse pela sua boca em uma meditação baseada em soltar uma tempestade com todas as suas emoções. Lamento não entendia o motivo de isso ser tão mal visto, lágrimas e gritos acontecem, e o cansaço de seu corpo chega junto a calma e aceitação. Lamento chora mais uma vez antes de retornar aos seus deveres. Seus inimigos agora são os barões já que a Corte quer provar que sua queda é previsível, e Lamento precisa lutar contra essa afirmação.

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