I can't forget you

90 9 1
                                    

4:51 da manhã. Nada parecia remediar minha insônia.

Talvez aquela já fosse a milésima vez em que eu me virava pela cama do hotel, procurando qualquer tipo de posição que me desse um pouco de paz. Mas eu sabia que isso nunca poderia ser possível, agora muito menos que antes.

Havia um tempo, eu já estava atrasando minhas consultas (muito necessitadas) ao psicólogo desde que me meti em toda esta bagunça. Mas eu tenho a leve impressão de que elas também não dariam o mínimo alívio à minha insônia cada vez mais frequente. Os traumas e todas as pressões psicológicas que me levaram aonde estou, parecem ficar mais insuportáveis a cada dia.

Fazem 10 dias que o terror na mina Ironsplinter havia acabado, mas que na minha alma permanecia vivo. Parecia ser ontem que senti desespero até os ossos quando Lily me ligou aos prantos dizendo:

“Acharam o corpo de Jake no incêndio!!”

Não acho que senti algo parecido com aquilo antes em toda a minha vida. O chão se desfazia sob meus pés e o calor escorria sobre meus dedos, até sumir completamente. Meu coração parecia ter parado de bater por um instante, e percebi tarde que eu não respirava. Lilly parecia dizer tudo em uma língua estranha, porque eu não podia entende-la nem se quisesse.

Tenho certeza de que ela tinha me contado mais coisas naquela noite, mas não consigo me lembrar de nenhuma delas. Talvez tivesse haver com o Richy, talvez com a Hannah, me lembro vagamente de ouvir o nome de Alan Bloomgate.

Descobri apenas dias depois que Richy também foi morto na explosão da mina, achado posteriormente por Alan, e que as irmãs Donfort decidiram se mudar de vez de Duskwood. Isso apenas serviu para acrescentar mais infelicidade às minhas crises ansiosas e me tirar qualquer norte que eu ainda possuísse.

Nunca consegui perdoar Richy, mas também nunca consegui não sentir pena dele. Por um lado, embora nunca tivéssemos sido exatamente próximos, eu via nele um cara brincalhão e despreocupado que sem saber era necessário para que eu não colapsasse.

Por outro, ele é o total motivo da minha cabeça estar fodida hoje em dia. E, bem, isso com certeza não é pouca coisa.

Sobre as irmãs Donfort, eu ouvi pouco. Lilly estava claramente traumatizada com a cidade, e eu não a culparia nem um pouco. De acordo com Dan, ela parecia querer sair o mais rápido o possível de Duskwood no dia seguinte ao incidente da mina, e foi o que fez.

A última vez que vi e falei com Lilly foi quando ela me deu a notícia de Jake. Depois disso, ela também mal mandou mensagem para todos nós, imagino que ela desejava fazer o que eu mais queria todo esse tempo: fugir pra longe e nunca mais olhar por cima do ombro novamente.

Hannah nunca falou comigo uma única vez, e sinceramente, eu não poderia me importar menos. Embora ela fosse o motivo supremo de eu ser arrastada ao Grupo de Caça Assassinos, acabei percebendo que a minha motivação de encontrá-la era apenas pela motivação alheia. Seus crimes me deixam atordoada até hoje.

Talvez a empatia que eu sentia por seu caso fosse esvaindo a cada nova descoberta que fazíamos. Quem sabe? No fim eu não estou em perfeitas faculdades mentais mesmo.

Pelo menos ela teve o dever de dizer ao Alan que minha presença foi um grande engano, afinal, Hannah queria mandar à Thomas o número de Jake, mas escreveu o antigo, que agora era o meu. E ainda, disse ao Bloomgate que eu não fiz nada além de ajudar as investigações, mas esta parte com certeza teve um dedo de Lilly.

O que nos leva ao meu momento atual. Há 3 dias Alan me chamou para dar depoimento no Departamento de Polícia de Duskwood, o que, por livre espontânea pressão, eu fiz. Mais cedo no mesmo dia, fui interrogada sobre o que fizemos em nossa pequena aventura de detetive.

Mantive detalhes como informações pessoais do Jake e o crime de Hannah fora da conversa (com certo custo), já que cadeia pra algum dos dois estava fora de cogitação, mas o resto agora era conhecimento da polícia. Alan facilitou as coisas pra mim, eu sei. Sou grata à ele por tudo, apesar das nossas diferenças no início.

Eu acho que ele também sabe disso.

Felizmente, dias antes da minha chegada Alan também deu uma colher de chá quando Dan consertou sua burrada contra Phil, e não surpreendente ele foi solto por falta de provas. Thomas disse que ele estava calmo, e me espanta que ele não parecesse abalado mesmo depois de ser solto, até abrindo o bar Aurora no dia seguinte.

Mas bem, aposto minhas fichas que se ele soubesse que Dan foi o X9, ele não estaria tão calmo. É apenas uma suposição pessoal, claro.

Bom, o que importa é que depois de tudo o que passamos em conjunto... Surpreendentemente não achamos mais palavras. Jessy era a quem estava pior dentre todos, não respondendo mais que meias palavras e nunca atendendo nenhuma ligação de nenhum de nós.

Se a morte de Jake me afetava, eu não conseguia imaginar o que a perda de Richy fez com ela. Não sei se Jessy conseguiu perdoa-lo em algum ponto, mas tenho a impressão de que eu nunca iria descobrir.

Embora eu considerasse quase todos daquele grupo meus amigos, parecia que nunca havia outro assunto a ser discutido além da nossa “querida aventura”. E eu sinceramente não estava mais em condições de falar sobre ela com nenhum deles.

De certa forma, achei que os ressentiria mais, afinal, o dia em que meu número foi adicionado estaria gravado na minha memória pra sempre como o início da minha aspiral à miséria. Porque é isso o que sempre foi, embora eu tivesse boas lembranças no meio.

Olhando as paredes levemente mofadas e azul claro do hotel, penso que talvez eu no fundo gostasse da ideia estranha de ser a peça importante em um quebra cabeça psicodélico como aquele. Mas essa mesma ideia aos poucos se tornou o motivo do meu contorcionismo diário às madrugadas, quase nunca conseguindo dormir por conta da preocupação e medo.

E quanto medo.

Mas eu estava longe de tudo aquilo, e isso era o meu único consolo: saber que no fim das contas tudo o que eu precisava fazer para fugir dos mistérios de Duskwood era formatar o maldito celular e joga-lo em meio ao lago mais próximo. Talvez mudar de cidade, trocar algumas contas, mas eu não saberia nada sobre ser icógnita. Isso era coisa do-

Jake.

E então, qualquer chance de eu pegar no sono instantaneamente se vai. Imediatamente me levanto da cama, começando a andar em círculos de tanta agonia, minha infelicidade quase podendo ser tocada no ar. Embora eu sempre tente pensar em coisas diferentes, no fim das contas tudo me leva à ele.

Quando começo a sentir o nó subir a garganta e os olhos começarem a arder é que sei que começarei a me torturar novamente, me lembrando do meu admirável Jake.

Não há como esquecer as conversas que tive com ele nem se quisesse. E, sendo sincera, eu jamais ia querer isso.

Me lembro da sensação terrível que eu tinha de que Jake passaria por cima de todos nós unicamente pra encontrar Hannah, e eu ainda acho que este era o caso naquela época. Não se importando com o perigo no qual meus amigos estavam e nos danos psicológicos terríveis que eu estava sofrendo, eu sempre soube que Jake não era completamente o mocinho.

Éramos um bando de desconhecidos para ele, mas ainda me espanta sua falta de empatia daquela época. Eu imagino que tenha haver com seu passado, o qual eu nunca soube, e talvez seria bom deixar desta maneira.

Bem, tive razões para desconfiar a todo instante que ele estava apenas me manipulando para conseguir o que queria, mas até hoje ainda não sei dizer se foi tudo sincero desde o início. Eu apenas sei que de fato consegui aos poucos destruir as defesas daquele homem misterioso, e chegar ao seu coração.

Agora, não há dúvidas que Jake realmente me amava, e eu o amava igualmente.

Nunca deveria ter deixado ele ir, e no fundo sei disso. Mas consigo rir um pouco em meio às lágrimas ao lembrar que ele provavelmente me repreenderia e se emburraria, como sempre fez.

“Você é importante demais pra mim. Não posso arriscar perder você...”

Realmente, meu Jake Donfort era o cúmulo do adorável.

Always YouOnde histórias criam vida. Descubra agora