TODOS OS DIAS EM QUE NÃO ESTOU MORTOOlho para a janela e sei que é dia. Não dormi nada, porque há alguma coisa fazendo um barulho muito irritante no teto, entre as telhas velhas e desgastadas. É um som repetitivo e oco, como se alguém batesse na porta várias vezes, com um intervalo de cinco segundos, o que deixa tudo mais insuportável. No entanto, a perturbação não foi o suficiente para me fazer levantar durante à noite e ver o que é, talvez resolver o problema.
Tenho certeza que eu não o resolveria de qualquer forma, porque não sou alto para alcançar o teto, nem corajoso o suficiente para me apoiar em uma cadeira e chegar lá. Resolvi aceitar a tortura, mas não fico aliviado quando o dia finalmente chega. Na verdade, acho uma droga. Acho uma droga porque, como sempre, vou ser obrigado a levantar daqui alguns minutos e, então, começar o meu dia. Provavelmente não há algo que eu odeie mais do que começar mais algumas vinte e quatro horas.
No entanto, eu me levanto. Em partes porque não aguento mais o som em meus ouvidos e também por não estar sentindo nenhum sintoma de um ataque cardíaco, ou um aneurisma, qualquer coisa surpreendente, rápido e capaz de me livrar da minha existência. Quando estou de pé, meu corpo nu respondendo ao chão frio com um arrepio visceral na espinha, não consigo deixar de pensar como eu daria tudo para não estar mais respirando.
Mas eu continuo, é claro. Continuo respirando enquanto caminho até o banheiro, onde visto a cueca suja do dia anterior que estava jogada na pia. Continuo respirando enquanto me arrependo de ter me vestido sem tomar um banho, mas me conforto com a esperança de que o dia estará chuvoso e frio como na noite passada. Continuo respirando enquanto encaro meu reflexo – os olhos escuros vazios, enfeitados com fundas olheiras roxas, a pele pálida, o cabelo raspado, a barba por fazer e o nariz enorme e torto – e escovo meus dentes, o gosto de menta sendo tão nojento quanto o que eu vejo em mim mesmo.
No quarto, um tempo depois, vestido com o uniforme de onde estudo, ainda estou respirando. Nesse momento, minha respiração é o único som que eu posso escutar e aquilo me acalma. De repente, consigo saber o que estou sentindo. Não estou triste, ou com raiva, ou preocupado. Estou apenas anestesiado pela sensação de que eu não existo mais, em lugar nenhum, para ninguém.
Então, do lado de fora, a chuva começa a cair e bater com força na janela. Não consigo mais ouvir minha respiração, mas sei que ainda estou respirando.
A escola só para meninos que estudo é conhecida pelos seus casos de assédio mal escondidos, alunos delinquentes e seus professores mal caráter. No ano passado, um professor foi agredido até entrar em coma por um aluno do último ano, quando ele tentou, educadamente, pedir para assistir o garoto mijar no banheiro do segundo andar, onde quase ninguém vai. Acredito que não foi tão educado assim, porque escutei os gritos e, depois, as sirenes da ambulância e da policia. Nem o professor nem o menino foram vistos novamente, pelo menos não por mim. Há quem diga que um morreu e o outro está preso.
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Life on Mars? (Romance Gay)
RomanceGael estuda em uma escola só para meninos problemáticos, onde seu dia à dia é tentar sobreviver ao perigo que ronda os corredores. Ao mesmo tempo que tem que conhecer a tristeza que grita dentro de si, ele também precisa aprender a lidar com os novo...