TODOS OS DIAS EM QUE A VIDA É UMA MERDA (TODOS OS DIAS)
Quando é dia, acordo primeiro que Manila. Não sei, acho que é a ansiedade. Meu corpo ainda está adormecido, porque não me mexo, mas meus olhos se abrem de repente. Seguro um gritinho muito fino, porque, ao contrário de ontem à noite quando fomos dormir, agora ele está virado para mim, de olhos fechados. O sol que vem da janela ilumina uma parte do seu rosto e me pergunto como ele não se incomoda, já que é sempre essa luz irritante que me acorda pela manhã. No entanto, Manila não se incomoda nenhum um pouco. Na verdade parece até que está sonhando.
Eu permaneço ali, em completo silêncio e como uma estátua, não quero acordá-lo de jeito nenhum. Manila é ainda mais angelical dormindo. Quase dá para esquecer dos seus movimentos ninjas e de todo mistério que o está envolvendo agora. Ainda não sei quem ele é. De qualquer maneira, o garoto que está adormecido em minha frente é muito diferente de quem quer que ele seja. Aposto que ele não conseguiria quebrar meu braço se eu...
Esquece, Gael. Ideia errada.
Sufoco um suspiro frustrado, ao mesmo tempo em que dou atenção ao seu rosto. Não consigo ver seus olhos, o que é decepcionante, porque gosto muito do seu olhar. Ele não precisa deles para ser excepcionalmente e implacavelmente lindo. Olhando para ele agora, consigo lembrar da primeira vez que o vi, três dias (PUTA MERDA. TRÊS DIAS. TRÊS DIAS ATRÁS. SOU A PORRA DE UMA GAROTA APAIXONADA) atrás, tocando de olhos fechados, cercado de deliquentes potencialmente psicopatas. Ele não parecia se importar com nada, apenas com o que estava fazendo. Me pergunto onde está seu violino agora. Tenho que resistir a vontade de me levantar e correr até a escola e achá-lo, apenas porque tenho medo de que Manila tenha perdido algo importante.
Seus lábios me chamam atenção e me voltam a realidade, quando ele morde o canto inferior de sua boca por uma fração de um nanosegundo, mas é o suficiente para acender meu corpo inteiro como se eu fosse um pré-adolescente esquisito e viciado em pornografia. Respiro fundo, focando minha atenção em seu nariz, que é o total contrário do meu. É pequeno, assim como ele, mas não é fino, o que harmoniza perfeitamente com o seu sorriso. Sua pele, agora meio iluminada pelo sol, parece bronze. Seu cabelo é tão escuro quanto o meu, mas não consigo identificar se é liso ou não. Está curto, mas tenho quase certeza que, caso cresça um pouco mais, ele terá cachos assim como os gêmeos (quando não estão com a cabeça raspada, assim como eu).
Se eu for fazer uma análise histórica (sou quase bom em história) e geográfica (sou péssimo em geografia), diria que ele é o exemplo perfeito da miscigenação e com certeza é tão latino quanto eu. Manila deve falar espanhol, o que eu não falo quase nada, mas o português não parece ser sua língua nativa. Ele não fala gírias, ou palavrões, nada que identifique com clareza de que parte do Brasil ele possa ser. Mas conhece o português perfeito, o formal. O que se aprende quando estuda a nossa língua, mas não vive ela, entre as pessoas, principalmente da nossa idade. Ele deve ter estudado em casa, o que é proibido. Talvez por isso ele esteja na nossa instituição? Esse caralho não parece se importar com histórico escolar para aceitar qualquer garoto decadente - a maioria nem tem. Eu mesmo perdi o meu no acidente que matou meus pais. Eu chutaria que...
— O que está fazendo?
Quase tenho um infarto quando meus pensamentos voltam à Terra e Manila está me encarando. Ele coça um de seus olhos com a mão e boceja. Se eu não estivesse tentando voltar a respirar, provavelmente estaria excitado com a imagem de Manila recém desperto.
— Como assim? — Pergunto, idiota como sempre.
— Você estava me encarando, acho. Olhando pra mim, mas pensando.
Me sento como um robô e nego com a cabeça, dando uma risada.
— Tá doido?
Ele não me responde, então apenas me levanto e caminho em direção ao banheiro, apressado. Tento me afogar na pia, mas não consigo, então escovo meus dentes e volto para o quarto. Manila está de pé, arrumando a cama, de uma maneira ordenada e perfeita, como se tivesse visto um tutorial na internet de como arrumar camas. Tento não prestar muita atenção nisso, porque ainda estou com vergonha, então apenas pego o que usei para dormir e jogo na cama. Manila me lança um olhar assassino e eu abro um sorriso, com vergonha de novo. Ele suspira e começa a arrumar minha bagunça.

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Life on Mars? (Romance Gay)
RomanceGael estuda em uma escola só para meninos problemáticos, onde seu dia à dia é tentar sobreviver ao perigo que ronda os corredores. Ao mesmo tempo que tem que conhecer a tristeza que grita dentro de si, ele também precisa aprender a lidar com os novo...