2

240 50 26
                                    

TODOS OS DIAS QUE ODEIO A CHUVA


No fim do dia, está chovendo. Chove tanto que o teto fudido da escola balança, ameaçando cair, a qualquer momento. Penso nas pessoas (no Manila) que moram no último andar e me pergunto se elas (o Manila) conseguirão dormir na escola caso a chuva piore e se transforme em um temporal.

Os gêmeos não estão nem ai, é claro. Eles tem uma casa legal e uma família boa. Na verdade, eles só estudam aqui porque sua mãe tem outros cinco filhos mais novos e ela não pode pagar por uma escola boa para todos. Uma vez, ouvi os gêmeos falarem que a escola é ótima, quando sua mãe perguntou. Quando fui pela primeira vez à casa deles, os dois me deram instruções que deviam ser seguidas à risca.

— Não fale que a escola é uma merda. A gente te mata se você abrir sua boca, Vilão.

Eu nunca abri. E com certeza eu nunca vou. Ás vezes, eu passo alguns dias das férias dormindo no quarto apertado dos gêmeos, que eles dividem, apenas os dois, por serem os mais velhos. O cumprimento do lugar parece mais com uma caixa de sapato e sempre me sinto mal pela casa que eu tenho só para mim, mas nunca seria capaz de reclamar de nada. Quando estou na casa dos gêmeos, me sinto menos infeliz.

Na saída, enquanto nos despedimos, os dois estão com guarda-chuvas pretos e eu estou completamente encharcado. Eles fazem o gesto educado de não rir, mas Nataniel está sorrindo enquanto acena para mim. Quando vão embora, eu estou sozinho, observando como a chuva fez com que a noite chegasse mais rápido.

Rosa vai me matar.

Quando chego no restaurante que fica a duas quadras da escola e três ruas da minha casa, Rosa Liu está xingando em chinês. Ela não me nota e eu faço o máximo de esforço possível para passar despercebido por ela em direção à porta dos fundos, onde Flor vai me salvar.

— Está atrasado, Gael.

Puta merda. Estou fudido.

Me viro para ela e abro um sorriso.

— Senhora Liu! — Não entendo o motivo de chamar as pessoas pelo sobrenome, mas Rosa adora. ADORA, com palavras grandes. Instantaneamente sua expressão relaxa e ela até me dá um sorriso. — Desculpa, choveu muito. Esqueci meu guarda-chuva.

Rosa apenas me dispensa com as mãos, provavelmente porque ela sabe que eu não tenho guarda-chuva nenhum. Eu aceito a dispensa de bom grado e caminho calmamente em direção aos fundos, passando pela cozinha.

— E aí, Gael? — Roberto me cumprimenta.

Beto é o adulto mais legal que eu já conheci, e também o melhor cozinheiro de comida chinesa do mundo. Ele deve ter uns quarenta anos e é calvo, branco e tem os dentes amarelados. Claro que ele também está sempre cheirando à peixe. Em outras palavras, também é o homem menos atraente que já conheci. Mas, mesmo assim, falar com ele não me dá vontade de me jogar contra um caminhão, que é o que eu sinto sempre que tenho que conversar com meu tio.

— E aí, Beto. Tudo bem? — Falo, sem esperar sua resposta. Estou atrasado.

Quando atravesso a cozinha, chego em uma pequena sala, que Rosa gosta de chamar de escritório. No entanto, é apenas um quadrado com um tapete vermelho, uma poltrona velha, um armário enferrujado e, como sempre, uma garota de treze anos, vestida como uma punk-rock dos anos 2000. Ela está ouvindo música em seus fones de ouvido e não liga nem um pouco para minha presença. Flor Liu. Amo essa garotinha.

— Ei, Pirralha! — A chamo, em um meio-grito, o suficiente para que ela olhe para mim.

A garota começa a rir e eu quero retirar o que eu disse antes sobre ela. No entanto, enquanto ela tira seus fones de ouvido, eu começo a rir também.

Life on Mars? (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora