Little to lose, much to lose

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     TODA A ATMOSFERA AO MEU REDOR se mostra mais densa que o costumeiro

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     TODA A ATMOSFERA AO MEU REDOR se mostra mais densa que o costumeiro. O quartel está tão calmo, tão silencioso sem o pessoal conversando como se estivesse em um show de heavy metal, que consigo ouvir meus próprios pensamentos e os passarinhos que pulam de uma árvore para a outra. Pisco algumas vezes e me contorço na cadeira; isso não parece bom. Cheira mal. Mais mal do que fumaça de incêndio provocado por diesel.

Encaro o papel que tremelica em minhas mãos e sinto o coração palpitar não uma, mas três vezes seguidas. Parece que vou morrer, mas não posso me dar esse luxo. Não quando sinto, e sinto verdadeiramente, que algo vai desabar sob a cabeça do 51 a qualquer segundo — e esses caras não são muita coisa sem mim, sabe. Mas sem querer me gabar nem nada.

Leio as letras impressas no papel antes branco, agora meio sujo; não faz nem uma hora que voltamos de um senhor engavetamento no cruzamento da Wallis com a St. Moz. Quero reler o que está escrito, mas minha visão fica embaçada tão rapidamente que me surpreende. No fundo eu sei que são lágrimas, mas não quero admitir isso para mim mesma. No fim das contas mal sei porque estou chorando.

Passo a mão na testa, um ato involuntário que quase me leva a bater o cotovelo na base da mesa, e dou um pequeno saltito quando ruídos do corredor à minha direita chegam até mim. Acabo soltando o papel e ele vai caindo e caindo até atingir o chão e meu pé empurrá-lo para um canto onde é improvável que o encontrem. Bom, desde que ninguém perca nada por aqui ou Otis comece a fuçar as coisas de forma aleatória como fez no mês passado.

— Ei, Atkins! — Leslie surge entre as unidades 61 e 3, o sorrisinho ladino porém cansado que sempre a acompanha ao final dos turnos sombreando sua face. — Dia ruim ou péssimo?

Penso um pouco, me sentindo genuinamente confusa quanto a isso. Não está sendo um dia ruim ou péssimo, mas também não posso garantir que está sendo bom, uma verdadeira maravilha. Observo Leslie checar algo dentro da ambulância e caminhar em minha direção após fechá-la. Ao se jogar na cadeira quase de frente para mim, noto como seus olhos parecem me investigar.

— Nenhum dos dois. Posso ficar no meio termo? — ergo o canto dos lábios. Ela dá de ombros.

— Ficar no morno nunca é um bom sinal, Kaylee Atkinson. Nunca é.

— É, eu sei que não — uso os pés para gerar impulso suficiente para me fazer girar na cadeira. Não duro nem cinco segundos nessa brincadeira, visto que tudo dentro de mim começa a se misturar ferozmente. — E o dia está meio esquisito, não está? Melhor não dar brecha para o azar.

— Ai, credo. Sai pra lá. — ela faz uma careta e me olha feio. Dou risada. — Vamos terminar esse turno com sossego. Eu sei que vamos.

— Cadê a Gabriela para te dizer que não se canta vitória antes do apito final? Quando deveria estar aqui, ela some. É impressionante.

— Vocês duas… — Leslie semicerra os olhos para mim e estala a língua na boca. Formamos um trio, acabamos nos aproximando no meu segundo mês aqui e tudo em seguida pareceu conspirar ao nosso favor, mas é claro que às vezes agarramos a chance de torrar a paciência uma da outra. Algo me diz que Leslie está de saco cheio de mim e Gabby. — Mas tudo bem, eu vou relevar.

Someone | Kelly Severide ✓Onde histórias criam vida. Descubra agora