Presente
Quando saí da esquadra respirei bem fundo, o receio tornava-se cada vez maior. Pensei que seria uma boa ideia dar uma volta pelas ruas da cidade, um passeio solitário era algo que me acalmava. Enquanto andava ia observando as pessoas, o seu quotidiano, ia percebendo como é cruel a vida. As pessoas pareciam felizes, sorriam, e eu caminhava destroçada. Esta aleatoriedade sempre me fascinou, o meu mundo podia ter acabado, mas o de outro alguém podia estar só a começar. De vez em quando pensava que era uma injustiça só eu estar a sentir esta dor, queria que todos a sentissem. Egoísmo? Talvez, mas todos somos um pouco egoístas. Percebi, no entanto, que ninguém precisa de sentir a minha dor, pois cada um sente a sua. Os sorrisos podem enganar, os olhos jamais. Já havia aprendido que nenhuma máscara cobre os olhos, e esses contam histórias que todos preferimos manter em segredo. Com Diana não foi diferente, a partir daquela noite nunca mais conseguiu sorrir como outrora, os seus lábios deixaram de carregar emoção. Os olhos, por outro lado, carregavam imensa, mas ela não a deixava sair. Parada a olhar para o rio azul e profundo que passava pela cidade, retifiquei um pensamento. Ninguém precisava de sentir a minha dor, exceto os responsáveis por eu estar a senti-la.
Depois de algum tempo a deambular sem qualquer destino, decidi fazer uma paragem. Perto da praça principal, o local mais movimentado da cidade, havia uma pastelaria onde a minha mãe me levara uma vez, após a separação. Fui até ao balcão para fazer o pedido e dirigi-me para uma mesa na esplanada. À minha frente estava sentada uma família, uma mãe, um pai e uma filha pequena de lindos cabelos loiros encaracolados. Ouvi, sem querer, que os pais falavam sobre ter outra criança, pareciam entusiasmados com a ideia. Eu costumava maravilhar-me com a ideia de ser mãe, encantava-me o pensamento de ter a possibilidade de criar um ser humano para ser a melhor pessoa possível, vê-lo depender de mim enquanto novo e vê-lo partir para a sua vida um dia mais tarde. Cheguei mesmo a comentar sobre isso com Diana, a reação dela foi impagável, "Sofia, sabes que somos muito novas, certo?". Ela era tão inocente, não é como se houvesse a hipótese de uma gravidez indesejada no nosso caso. Quando estamos apaixonados, fazemos planos com a pessoa que amamos, mesmo que pareçam irreais. Todavia, a ideia de ser mãe começava a causar-me algum desconforto, como posso querer ser mãe neste mundo? Onde estas coisas horríveis acontecem às melhores pessoas... Não me parecia justo.
Finalmente, uma empregada levou-me à mesa um tabuleiro com um croissant e uma chávena de café. Eu nunca tinha bebido café antes, não sei porque o pedi, mas gostei. Enquanto degustava aquela iguaria naturalmente francesa, não parava de pensar em quem seria aquele misterioso homem que fora encontrado morto. Não posso dizer que sentia pena por ele, mas de certo que ele tinha respostas para muitas perguntas, quem quer que o tivesse morto sabia bem disso. E por falar em misterioso, eis que reparo que, ao longe, estava alguém a olhar para mim. Era um homem alto, usava calças pretas, um longo casaco, óculos escuros e uma espécie de boina. Achei estranho, principalmente por ter a certeza que já o tinha visto algures durante a minha deambulação. Acabei de comer e fui embora, ele começou a seguir-me lentamente, numa tentativa de ser discreto. Comecei a acelerar o passo para o despistar, mas ele fez o mesmo. O melhor que tinha a fazer era tentar ir para casa e, para isso, tinha de chegar à chamada rua dos táxis. Depois de virar na última esquina antes de lá chegar, corri e enfiei-me no primeiro táxi da imensa fila de veículos estacionados à espera de passageiros. Pedi ao motorista para arrancar com urgência e vi o estranho homem ficar para trás. Suspirei de alívio, "malditos pervertidos".
Em casa, um cenário que não me era familiar, uma mãe gentil e preocupada, esperava por mim. Já tinha falado com ela sobre tudo o que estava a acontecer, mas nunca entrei em muitos detalhes, algo que, pelos vistos, começava a agoniá-la.
- Sabes que podes falar comigo, sou tua mãe.
A sério? Era mesmo? Durante muito tempo não pareceu e eu ainda tinha as minhas dúvidas, sinceramente.
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O Último Sorriso de Diana
RomanceEsta história começa quando Diana, namorada de Sofia, comete suicídio na linha de comboio. Sofia sabia que era inevitável, no entanto, os reais motivos permanecem um mistério. Entre passado e presente, o leitor poderá perceber como as duas jovens se...