Capítulo I

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"Num mundo onde o amor está em falta e onde se acredita que o amor cura, tu mostraste-nos da pior forma que o amor não é suficiente..."


E foi naquele momento, enquanto sentia o vento bater-me na cara, enquanto corria e gritava a plenos pulmões pelo teu nome, enquanto te via, ao longe, de costas sentada na linha do comboio à espera da uma e trinta e oito da tarde, foi naquele momento que percebi que não havia nada que pudesse fazer. A nossa história tinha chegado fim. Apesar de ter perdido a esperança continuava a correr, apenas por não conseguir parar. Ao aproximar-me vi-te levantar. Por breves frações de segundo pensei que isso pudesse significar que tinhas decidido dar mais uma oportunidade à vida, mas rapidamente percebi, ao ouvir o som do grande veículo da morte nos carris, que apenas significava que querias morrer de pé, ainda que tenhas passado toda a vida de joelhos a implorar a ti mesma por uma mudança. Só quando a máquina entrou no meu campo de visão consegui parar. Empalideci e senti uma lágrima a descer-me friamente a cara, gritei uma última vez "Diana!" e consegui que olhasses para mim, sorriste. Gritei para que saísses dali, para que falássemos e encontrássemos uma solução juntas, mas de nada serviu, o som da buzina do comboio engoliu todas as minhas palavras. Não conseguia desviar o olhar, o meu cérebro fez com que te visse morrer e o meu coração fez com que parte de mim morresse contigo. À uma e trinta e sete, um minuto antes de chegar à estação, aquele comboio levou-nos a vida. Ajoelhei-me e levei as mãos à cara. Ainda que soubesse que iria acabar por acontecer, não queria acreditar que havia perdido o amor da minha vida de forma tão brusca e cruel.

Após o corpo de emergência, paramédicos e polícia, e mais tarde a minha mãe (só a chamei porque entrei em pânico) terem chegado ao local e de eu ter prestado declarações aos agentes, fui para casa. No caminho não disse uma palavra, não sabia o que dizer, assim como a minha mãe. Chegada a casa tentei ir direta para o meu quarto, infelizmente a minha mãe achou que fosse uma boa altura para conversar. Eu já sabia no que ia acabar a conversa mas não estava com disposição ou energia para discutir, ainda não tinha sequer processado o que acabara de ocorrer.

- Eu tentei avisar-te, Sofia - disse a minha mãe com um toque de insensibilidade que só ela consegue dar.

- Avisar-me sobre o quê, exatamente? - inquiri já esgotada.

- Sobre aquela miúda! Vi logo que ela tinha um problema qualquer, quem faz uma coisa destas?!

Olhei para o chão como que a procurar um motivo para não perder a cabeça ali mesmo. Não encontrei um único.

- Mãe - disse calmamente, a replicar a calmaria depois da tempestade, só que neste caso seria antes. - Vai à merda!

Sem olhar para ela, subi as escadas e dirigi-me ao meu quarto. Ouvi-a vir atrás de mim aos gritos, mas não liguei. Tranquei a porta do quarto. Após alguns minutos de gritaria com a porta, a minha mãe acabou por desistir e foi embora. Finalmente algum silêncio. Deitei-me na cama a olhar para o teto para tentar assimilar o que acontecera. Estava tudo tão confuso na minha cabeça, a Diana... Não conseguia acreditar. Falámos tantas vezes sobre isto, ela prometeu-me que não o faria, eu não devia ter acreditado. Racionalmente não acreditei, mas quando estamos apaixonados o "racional" importa pouco.

A notícia espalhou-se rapidamente, como seria de esperar. De repente as pessoas começaram a preocupar-se comigo, que coincidência. Apesar de não querer falar com ninguém, estar no telemóvel era a única coisa que me podia distrair da dor e ansiedade que sentia, sempre foi assim. Fui, portanto, buscar o carregador à minha mochila. Abri-a e o que vi horrorizou-me, reconheci-o na hora. "Só posso estar a alucinar", pensei para mim. Peguei no objeto, fiquei com ele na mão algum tempo para ter a certeza, era mesmo verdade, na minha mochila estava o telemóvel de Diana, com capa e tudo. Aproximei-o do peito e desfiz-me em lágrimas, naquele momento a realidade atingiu-me com uma força imensa. A minha visão começou a ficar turva e a escurecer, sentei-me na cama para me recompor sem largar o telemóvel, era agora a única coisa que me mantinha conectada a ela. Fiquei com o olhar preso na tela de bloqueio por alguns minutos, era uma foto nossa no nosso primeiro aniversário de namoro. A capa era a que lhe havia oferecido nesse dia, feita à mão. Tirei a capa, dentro estava um pequeno papel com um número de quatro dígitos: 2020, o ano em que começamos a nossa relação e também a alcunha que ela arranjou para mim. É uma forma de dizer que sou 10/10, mas para ela eu era o dobro disso, sempre achei fofo apesar de saber que 10/10 e 20/20 tem o mesmo resultado. Digitei o código, o telemóvel abriu automaticamente no bloco de notas. Tinha algo escrito: "Amanhã vai ao meu cacifo, o código é o mesmo." Não poderia estar mais confusa e cansada, nem estava a pensar ir à escola no dia seguinte, mas com esta nota... Tinha mesmo de ir.

O Último Sorriso de DianaOnde histórias criam vida. Descubra agora