PARTE DOIS: OS ENCONTROS. A PROMESSA.

481 36 20
                                    


    Você só vive uma vez, então fique louco pra caralho!, a canção que fluía do aparelho de som pregava. Lester sorriu, deslizando o indicador contra a barba em seu queixo. Aquela filosofia não significava nada para ele – mais um aspecto maravilhoso sobre a imortalidade. Ele viveria uma, duas, milhares de vezes. Quando ficasse entediado demais com o ambiente ao seu redor, cansado do aroma no ar e dos padrões de cor e beleza, tudo que precisaria fazer era dar meia volta e recomeçar, encontrar algo novo e refrescante. O mundo era um lugar extenso que se desenrolava diante dele, cheio de belezas ocultas as quais se renovavam dia após dia.

   Lester já havia sido um nobre inglês, um soldado durante a Segunda Guerra Mundial, um aspirante a CEO, advogado do diabo, um mochileiro entre os Alpes, e isso era falar o mínimo. Ele poderia ser tudo, e nada. Com um estalar de dedos, seu mundo inteiro virava de cabeça para baixo e se transformava exatamente no que precisava.

   Ele adorava ser o que era – um mercenário, um Imortal, um amante ardente.

   - Eu achei que você não gostasse desse tipo de música – disse Melissa, acomodando as botas surradas sobre o banco, joelhos pressionados contra os seios. – Você sempre escuta rock clássico, ou sinfonias complexas.

   A naturalidade com a qual ela se comportava era algo de grande charme. Lester admirava a maneira tranquila com a qual ela se expressava, oferecendo longos olhares, jamais desviando os olhos, por vezes umedecendo aquela boca que ele adorava beijar, ou oferecendo-lhe aquele sorriso tímido e encantador. Ele também adorava a maneira que ela reagia ao seu toque, a simples aproximação de seus corpos; a pele alva pontilhava-se, conduzindo eletricidade por todo o corpo, os olhos revirando-se nas orbitas antes de cerrarem-se com força. E o cheiro de sua excitação, aquela fragrância agridoce e tentadora que exalava de seu sexo... Sua garganta se fechou com a lembrança.

   Afastando a imagem de seu corpo retorcido de desejo, ele disse:

   - Eu gosto da mensagem dessa música em particular – ele lhe lançou um olhar lateral. – Você só vive uma vez, então aproveite enquanto pode.

   Ela franziu sutilmente as sobrancelhas.

   - Eu acho triste. Quero dizer, a ideia de se estar morrendo a cada novo fôlego e batida do coração. É como se estivéssemos de mãos dadas, caminhando alegremente em direção ao fim de tudo. É meio mórbido – ela riu baixinho. – Não deveríamos aceitar isso tão facilmente. A morte. Mas, bem, não é como se pudéssemos evita-la para sempre, certo?

   Aquilo o fez refletir. Melissa o surpreendia constantemente com sua maneira singular de ver o mundo. Era esperta, cheia de teorias, novas perspectivas. Exatamente como ele. Suspirando, Lester respondeu:

  - Não, babe. Nós não podemos.

  Pelo canto do olho, percebeu que ela o encarava com certa confusão. Ela havia captado algo em seu tom – a nota sutil e inaudível que denunciava sua mentira. Ele não se importava com o futuro, ou com o fato de que seu corpo estava caindo aos pedaços a cada novo passo. Afinal, ele jamais envelheceria, as doenças humanas não lhe fariam mal. A inexorabilidade do tempo era algo que, por um século e meio, desconhecia. E Melissa captou isso, a ligeira mudança em sua entonação. Mas ignorou. Sacudiu a cabeça, então curvou-se para o aparelho de som. Selecionou uma nova música. A distorção da guitarra explodiu dentro do carro em notas marcantes e desesperadas.

   - Bem melhor – Lester sorriu. – As músicas dessa nova geração têm boas mensagens, mas o barulho... bem, isso me irrita um pouco.

   Ela bufou.

Você leu todos os capítulos publicados.

⏰ Última atualização: May 05, 2015 ⏰

Adicione esta história à sua Biblioteca e seja notificado quando novos capítulos chegarem!

Trilogia O Círculo dos Imortais - Jardim Selvagem (Spin-off).Onde histórias criam vida. Descubra agora