Vernon confronta a febre.

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"O que mais pode esperar - perguntou-lhe baixinho - de homens que tem demônios como vizinhos? Até o melhor dos cães é capaz de morder, se for chutado o suficiente."

[...]

Pela manhã, o céu ainda estava cinza e ameaçava chover forte em cima daquela cidadezinha pacata, deixando um clima de névoa por entre os prédios cinzas. Um belo cenário de filme de terror, ou talvez apenas a boa e velha Teron.

Vernon acordou sentindo todos os ossos de seu corpo estalarem e cada pedacinho seu preencher-se de pura dor, uma das consequências de ter andado na chuva. Não estava surpreso pelo resfriado, mas odiava a sensação de adoecer.

Se levantou da cama com muito esforço e se enrolou nas cobertas, caminhando no chão frio com os pés descalços — odiava usar meias. Foi caminhando lentamente na direção da sala, onde previu que estaria a senhora Chwe.

— Mãe, eu posso faltar hoj…

Sua voz morreu quando viu sua mãe caída no sofá, ainda vestida em seu uniforme de trabalho. O avental sujo de tinta seca cobria grande parte de seu corpo e a mulher só se deu o trabalho de tirar os sapatos, já que trabalhava como pintora em tempo integral.

Suspirou, derrotado. Sabia o quão trabalhoso era lidar consigo e o quanto sua mãe se esforçava como uma mulher solteira e que o criava sozinha, então apenas a cobriu com uma coberta caída perto do sofá e foi se arrumar para ir para mais um dia de estudos.

Tomou um banho quente e demorado para tentar afastar o cansaço e a dor, saindo do chuveiro junto com uma nuvem de vapor. Vestiu seu uniforme rapidamente e andou silenciosamente até o quarto de sua mãe, onde pegou quatro cartelas de seus remédios e as enfiou no bolso. Ela os escondia, mas ele sempre sabia como e onde conseguí-los.

Saiu do apartamento no frio e abraçou o moletom escolar antes de fechar a porta quando uma rajada de chuva lhe recepcionou, saindo do prédio e indo até a calçada. Seu olhar foi direto no apartamento abaixo do seu e logo viu a luz acesa, engolindo em seco. Balançou a cabeça em negação e continuou andando na direção da escola, espantando seus pensamentos diversos.

Conforme andava, o rapaz se sentiu observado. Cresceu naquela cidade e o sentimento não era incomum, mas sempre sentia-se estranho como se fosse a primeira vez. De repente, a chuva parou de cair em si, pois um guarda-chuva foi posto em sua cabeça.

— Por que você nunca traz um guarda-chuva? — Era Minghao, seu melhor amigo.

— Sabe que gosto da chuva. — Foi curto, mas seu sorrisinho evidenciava que estava feliz por ter a companhia alheia.

— Você… tem planos pra hoje? Alguma coisa pra fazer? Sei lá… — O tom do ruivo era baixinho e ele parecia ser cauteloso em suas palavras, sempre encarando seu melhor amigo.

— … — Vernon pensou em uma resposta, mas apenas deu de ombros, encarando seus tênis sujos e molhados de tanto pisar nas poças de água.

Não demorou muito para que os dois chegassem na escola de Vernon, então logo ambos pararam e o chinês encarou o mais novo, dando um sorrisinho pequeno em sua direção enquanto o olhava com carinho.

— Bem, eu já vou, tá? — Avisou, coçando a nuca. — Posso te ligar mais tarde?

— Pode sim.

Os dois se curvaram minimamente e então o mais velho foi na direção da faculdade em que estudava a um ano, bem ao lado do colégio de Chwe. O rapaz apenas engoliu em seco e subiu as escadas em direção à construção, sentindo uma crescente vontade de vomitar lhe consumir.

NO DISCRETION || VERHAO.Onde histórias criam vida. Descubra agora