Eu me tornei Vilão para que você seja Herói

Capítulo 1

Acordar cedo certamente não era o forte de Daniel, especialmente às segundas feiras. O sol frio entrava sorrateiramente pela janela perto da cabeceira da sua cama. A luz o incomodava mais do que tinha vontade para continuar deitado. Levantando-se ele se esticou e inflou seus pulmões de ar deixando um longo suspiro sair. Ligando a TV ele preparou um café da manhã simples.

A jornalista estava apresentando uma notícia sobre a taxa de crimes, parece que a presença de heróis na cidade influenciava de forma positiva, "Claro" ele pensou "Que louco teria coragem de enfrentar o Bomba-N ou a Capitã?". Logo mais o jornal apresentou uma notícia que o deixou feliz:

– Agora vamos ao vivo para a cobertura do mais novo centro de reabilitação da cidade de Lira. O centro foi aberto com o apoio direto do senador Thiago Correia e para a cerimônia de abertura a grande heroína do momento Justiça está aqui para cortar a fita. Vamos agora com uma entrevista exclusiva dela.

– A boa e velha Alice – disse Daniel consigo mesmo. – Acho que vou deixar ela em paz por hoje, não preciso importunar ela todo dia.

– Madame Justiça – disse a repórter – Por favor, eu lhe peço um minuto do seu tempo.

– Claro – respondeu

– Hoje é o dia da inauguração do centro de reabilitação, mas hoje também é o dia da sua primeira aparição como super, me diga, preparou algo surpresa para nós hoje?

– Bem se eu contasse não seria surpresa né? – ela forçou uma risada boba. Para Daniel ela estava ridícula rindo daquele jeito. – De qualquer forma eu agradeço que tenha lembrado de um dia tão especial para mim, com tantos trabalhos é difícil me lembrar das pequenas coisas.

– Falsa modéstia – Daniel disse bebericando um pouco do seu café. Já se passou muito tempo desde aquele dia, algumas vezes até pensou em contar tudo para ela, mas talvez as coisas estivessem complicadas demais agora para que pudesse consertar.

– Agora me conta, eu fiquei sabendo que uma certa super aqui está de paquera com um outro super chamado Altivo estou certa?

– Na verdade, estamos noivos. – ela disse mostrando a aliança em seu dedo. Daniel cuspiu parte do café que estava bebendo, não que se importasse com a notícia, mas essa era uma informação inesperada até para ele, Alice nunca foi de namorados e agora estava noiva?! Ou isso era uma progressão ou era mais uma coisa da equipe de marketing.

Ele desligou a TV e limpou a louça. Estava quase na hora de trabalhar. Como identidade secreta ele era conhecido como Matias, um trabalhador da cafeteria Modesto. Abaixo desta mesma cafeteria tinha um bar que muitos vilões utilizavam em seu tempo livre. Juntamente com ele trabalhavam Luana, uma vilã conhecida como Baronesa de Ferro, e Juan, um vilão conhecido como Batalha. Os três se tornaram amigos depois do incidente na academia.

Chegando à cafeteria ele viu que a porta estava fechada e colocaram a placa de fechado na frente, não havia clientes na entrada esperando o estabelecimento abrir, o que tornava tudo ainda mais estranho era que o relógio mostrava ser apenas 9 horas da manhã. Ele pegou uma das chaves reserva da porta e abriu-a lentamente dando uma boa olhada na parte interna, o balcão estava vazio e as luzes apagadas. Ele pegou um vaga-lume do seu bolso e deixou o inseto voar um pouco para iluminar o local melhor, os interruptores não tinham energia e o silêncio tomava conta do lugar.

Repentinamente as luzes se acenderam e vários vilões pularam de trás do balcão gritando Surpresa! em uníssono, Daniel deu um pulo alto por causa do susto e bateu a cabeça arrebentando o teto ficando preso na parte de cima. Todos riram da situação, menos Daniel é claro, ele balançava suas pernas de forma desesperada tentando se soltar em vão. Damian, também conhecido como Gigante, o ajudou a descer. Ele sacudiu a poeira dos ombros e pernas e espantou os pássaros de sua cabeça. Todos ao seu redor estavam sorrindo e lhe parabenizando, ele só não entendia o por quê.

Juan e Luana saíram de trás do grupo de pessoas carregando um bolo de duas camadas, na parte de cima havia um pequeno boneco parecido com ele lançando caos para todos os lados, na camada de baixo estava Justiça caída ao chão em posição de derrota.

– Feliz aniversário – disse Juan

– Parabéns Daniel – disse Luana

– Gente, vocês sabem que meu aniversário é em dezembro.

– Sabemos sim, mas hoje é o aniversário de quando se tornou um vilão e de quando criou a sua primeira arqui inimiga. – retrucou Luana com um largo sorriso – Por tanto é uma data e tanto, especialmente para o filho do Destruidor.

– Pois é! - gritou Damian no fundo da sala – Devemos comemorar o dia em que o filho pródigo voltou para nós! Ao Daniel! Ao Imperador!

Todos brindaram e pegaram uma fatia do bolo, todos menos Daniel, para ele esse não era um dia feliz, mas esboçou um pouco de felicidade ao ver seus amigos e amigas se divertindo com ele. Cada um tinha uma história própria de como veio parar ali, todos com realidades muito distintas e sonhos inalcançáveis, mas todos tinham algo em comum, todos eram vilões e tinham escolhido estar ali, todos menos Daniel.

Juan e Luana estavam sentados com outras duas pessoas e se riam compartilhando histórias de batalhas passadas. Todos ali torciam uns pelos outros e se apoiavam quando as coisas ficavam difíceis. Eram como uma família. Daniel estava perto do balcão pegando mais um pedaço de bolo quando outro conhecido seu veio e colocou a mão em seu ombro. Aquele era Francesco, também conhecido como Armageddon, um dos vilões mais antigos daquela cafeteria, ele começou seu trabalho quando tinha apenas 20 anos e agora estava com 49, ele era uma inspiração para os outros e tinha um recorde de dois mil planos que deram certo. Ele era uma lenda nacional, ao menos para os vilões. Quando Daniel apareceu e subiu muito no rank muitos ficaram receosos de que a lenda perdesse o seu lugar, não que Daniel estivesse perto de bater esse recorde, mas ele facilmente poderia. Por causa dessa rivalidade eles se tornaram amigos, e somente Francesco sabia a verdade por trás do incidente da academia. Ele era o confidente que Daniel mais confiava. Francesco ofereceu um refresco para Daniel e ficou em silêncio por alguns segundos. Do outro lado da sala estavam instalando um karaokê e colocando umas músicas bregas para cantarem.

Francesco quebrou silêncio:

– Grande dia não é?

– É sim... - respondeu Daniel desanimado

– Ora vamos, você sabe que tem que esquecer isso. Aproveite a festa.

– Não se pode esquecer o passado.

– Mas se pode aprender com ele. Veja as coisas boas que conquistou depois do que aconteceu, jamais teria nada disso se tivesse sido diferente.

– Pode ser... mas ainda assim não me sinto bem.

– Ao que parece sua amiga está maravilhosamente bem – ele soltou uma gargalhada breve, o som parecia um marreco com a garganta arranhada.

– Se falou isso para me provocar sabe que não funciona. Alice tem uma vida diferente agora e eu jamais vou poder compartilhar isso com ela, tudo por minha causa.

– Não repita isso rapaz. – Francesco franziu o cenho e encarou Daniel nos olhos – Sabe muito bem que a culpa não foi sua. Não se culpe mais do que os outros fizeram com você.

– Obrigado. – respondeu Daniel – Dezessete anos não é. - ele disse suspirando

– Pois é Dezessete anos de pura maldade. – Francesco gargalhou o mais alto que podia.

Eles terminaram suas bebidas e foram se reunir com o resto do pessoal. Todos estavam sentados ao redor do karaokê observando Juan cantar uma música com a pior voz que conseguia fazer, todos se riam de toda aquela cena. Daniel não conseguia mais segurar as risadas e, quando se deu conta, estava gargalhando ainda mais do que Francesco, foi então que teve uma das maiores ideias de todos os tempos. Hoje era o aniversário de quando brigou pela primeira vez com Alice, e deixar essa data passar em branco seria um desperdício de sua carreira, ele faria um espetáculo, muito maior do que já havia feito de outras vezes. Ele agradeceu aos outros colegas e saiu porta afora saltitante. Os outros se entreolharam sem entender nada.