Não demorou muito tempo para o pastor Mateus Cordeiro Mattos ser chamado. Na verdade, ele ficou somente 15 minutos a sós com Pedro, antes que seu nome aparecesse na placa. Na maior parte do tempo após a saída de dona Maria, os dois ficaram em silêncio, cada um preso em seus próprios pensamentos, até que o rapaz disse:
- Mateus, o senhor é pastor há muito tempo?
Ele abriu um sorriso e assentiu com convicção. Amava falar sobre sua trajetória.
- Com certeza - disse ele - sou pastor há 19 anos, mas sou membro da Congregação e pregador voluntário desde os 12! Sabe, eu sempre tive um talento particular em oratória, e sempre acreditei que o discurso apaixonado é a melhor maneira de disseminar a palavra do Senhor em todas as...
- Com sua experiência, pode me responder uma questão?
- Hã? Ah, é claro, claro meu rapaz. O que é?
- O senhor acha que um ateu pode entrar no Reino dos Céus?
Aquilo pegou o pastor completamente de surpresa. Levou alguns instantes antes que conseguisse formular uma resposta.
- É, bem... alguns de meus colegas podem dizer que sim, mas... as Escrituras são bastante claras quanto à importância da Fé como caminho da salvação, então...
- Então, na sua visão, não!
- É... na minha visão, não. - respondeu Mateus, desconcertado - M-Mas ainda temos tempo! Deve demorar bastante para chamar um de nós. Podemos fazer uma conversão aqui mesmo, o que acha?
Pedro virou-se para ele, mas seu olhar era distante, fitando algo muito além do pobre pastor que tentava acalentá-lo.
- E de que serve uma conversão agora? A Fé consiste na crença, a despeito de sua ausência de confirmação, não é mesmo? Ao menos foi isso que minha mãe me ensinou. Mas agora eu sei que Deus existe. Eu não estaria acreditando que ele existe e é poderoso. Eu SEI que isso é um fato. Não é verdade?
- Hã... Bem... eu suponho que sim.
A partir de então, o silêncio imperou a sala mais uma vez.
Pastor Mateus deu graças a Deus quando, poucos minutos depois, seu nome foi chamado.
- Bem - disse ele com um sorriso no rosto, se aproximando da porta - Foi um prazer conhece-lo, jovem Pedro. Desejo-lhe sorte e que Deus o abençoe. Até a eternidade!
E assim, Mateus passou rapidamente pela porta, deixando seu novo conhecido ateu para trás. Enquanto atravessava o corredor para o tribunal, caminhava de cabeça erguida e sorriso no rosto, confiante e decidido. "Toda minha vida foi para esse momento. 46 anos de dedicação a Cristo e sua obra, e agora é meu momento de colher os frutos".
Chegando à plataforma do réu, viu o júri diverso à direita, Lúcifer acenando para ele de seu assento - e, por educação, Mateus retribuiu o sorriso e o gesto -, Gabriel e Jesus à sua frente, que causaram espanto e êxtase no pastor, e, à sua esquerda, fileiras de cadeiras vazias, mas com um considerável número de pessoas nas fileiras da frente, todos com roupas contemporâneas, homens e mulheres. Por algum motivo, todos pareciam familiares ao pastor, mas não soube identificar, exatamente, de onde os conhecia. Uma figura que particularmente chamou sua atenção foi um rapaz, de uns 14 ou 15 anos, cabelos negros e olhos castanhos intensos, magrelo e retraído, olhando para ele com fúria de sua cadeira. Mateus teve a impressão nítida que o conhecia, mas não conseguia se recordar, e aquele ódio profundo nos olhos de um menino tão novo o perturbaram muito.. Não conseguindo sustentar seu olhar por muito tempo, voltou a encarar Jesus de frente.
- Mateus Cordeiro Mattos, 46 anos! - anunciou Gabriel.
- Pronto para começar, senhor Mateus? - questionou Jesus.
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O Tribunal
Historia CortaPedro é um jovem professor de física de origem humilde, lutando para conciliar seu trabalho, seu mestrado e o sustento de sua família. Porém, o Destino reservou à já atribulada vida deste rapaz uma surpresa: o encontro com o Tribunal! Não um tribuna...