Capítulo 2

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Victória

Acordo num sobressalto, sonhando com olhos cinza prateados de uma mulher de cabelos curtos e brancos, com uma energia radiante que me sorria gentilmente e me dizia que iria me ajudar, o mais impressionante de tudo foi a confiança que senti em suas palavras, e ainda com a mente embaralhada do sonho confuso e com o corpo dolorido decido me levantar, e me arrumar. O sonho mesmo que confuso de alguma forma renovou meus ânimos, vou tomar uma atitude!!!

E por incrível que pareça consegui sair de casa sem chamar muita atenção, deixando a minha mãe ainda dormindo.

Assim que passo pelos portões da faculdade indo em direção à reitoria para saber mais informações sobre algumas galerias que precisam de novos funcionários, me lembro de tudo que eu passei e vivenciei aqui.

Me lembro de como foi difícil convencer a minha mãe a me deixar cursar belas-artes, ela não via um futuro para mim nisso, mas segundo ela após pensar melhor daria um certo requinte para o "meu currículo". Tenho certeza que o que a convenceu foi a minha bolsa integral que eu consegui com muito esforço e estudo, mas ela nunca iria admitir isso.

Só esse pensamento já embrulha meu estômago, de imaginar que a minha formação, os três idiomas que falo, ou tudo que eu aprendi até aqui, na visão distorcida dela, seja algum currículo para um bom casamento, para arrumar um bom partido. É incabível, é impensável que no mundo em que nós vivemos em pleno século XXI, alguém ainda pense que um bom casamento salve a família ou possa trazer algo de bom.

Entendo que tenho muitos problemas, e realmente nem sei bem quando foi ao certo que eles começaram, mas vagando agora entre as minhas memórias de infância, tenho certeza que eles começaram aos 13, ou se acentuaram aos meus 13 anos! E eu fico imaginando aqui se pode ser algo de família, e se a minha mãe tem algum tipo de problema como esse... queria muito que ela fosse mais aberta e uma pessoa mais fácil de lidar, para que eu pudesse conversar com ela sobre, quem sabe uma terapia, um grupo de apoio ou ajuda, qualquer coisa que fizesse com que ela visse a realidade da vida como realmente é, e que esses padrões que ela se autoimpôs na vida realmente é algo distorcido da nossa verdadeira realidade.

Mas como sempre a sua personalidade e os seus sentimentos me oprimem, e eu não consigo me expressar corretamente na frente dela, mas acredito que praticamente todos os pais sempre vêm os filhos como eternas crianças, e infelizmente alguns como crianças idiotas ou bobas que nunca conseguirão se sustentar ou viver corretamente. E para minha total frustração me encontro nessa segunda categoria.

Mas mesmo sabendo que vivo uma realidade extremamente doentia e deturpada fui deixando levar, afinal de contas consegui fazer a faculdade que eu sempre sonhei, e se tudo der certo aos pouquinhos, como a água que consegue contornar uma grande montanha, eu conseguirei trabalhar em uma grande galeria, conseguirei ser uma curadora importante trabalhando com arte, é um sonho, mas o mais louco ainda, que fico até com medo de ser grande demais para sonhar, eu conseguirei algum dia ver os meus próprios quadros, as minhas próprias pinturas em alguma dessas galerias sendo vendidos e reconhecidos...

Mas neste exato momento a situação é tão desesperadora, que aceito feliz e satisfeita até a vaga de faxineira em qualquer um desses museus.

Com esses pensamentos flutuando em minha mente acabo esbarrando em uma moça pelos corredores da faculdade, ela segurava alguns livros enquanto conversava distraidamente com as suas amigas e de imediato sinto todos os sentimentos que pairam sobre ela e fico confusa, ela sorria para as amigas, mas o que ela tinha dentro não era felicidade, ela tinha medo e inveja e algo mais que eu não consegui identificar, mas acredito ser como ego ferido talvez!

O Feitiço da Água - Degustação Onde histórias criam vida. Descubra agora