Peixe-cofre-amarelo.

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BORDER

...

          O sentimento de estar perdendo algo precioso aos poucos é angustiante. Ver algo indo embora mas não fazer nada para impedir é horrível. É assim que Sunoo se sente, apertando o sete, que é o andar dele. O cheiro do elevador vazio o recepciona e ele torce o nariz, o pensamento de que essa será a última vez que passa por isso o incomodando. As memórias feitas dentro deste elevador, dentro desse prédio, são incontáveis — e todas o incomodam.

          Passou a última noite em claro, numa angústia irracional que ele sequer conseguiu colocar em palavras, pois se sentiu paralisado. Inquieto enquanto comia qualquer coisa sem gosto (o gosto se perdia dentro do vazio dele, de modo que ele não pudesse reconhecer os sabores), pensava em como é estúpida a ideia de vivenciar as coisas para então poder escrevê-las, porque ele não consegue vivenciar nada sem se sentir assim, uma bagunça. E então ele afundou ainda mais na própria mente, os pensamentos intrusivos fazendo morada, o arrastando ainda mais para o vazio sempre tão cheio de emoções.

          É por isso que sou um péssimo escritor. É por isso que nada que escrevo é bom. É por isso que não posso ser um escritor. Um escritor que não sente, ou que sente demais. Um escritor que não é capaz de ler, porque só o ato da leitura o faz sentir emoções tão vívidas que podem o machucar de verdade. Um escritor que não pode escrever tantas coisas, porque só de imaginá-las se sente mal.

          Ele nem sabe a que horas parou de se autodepreciar e saiu da cozinha, arrastando o vazio do peito até a cama, para então ficar lá deitado, olhando para o teto, se desafiando a não derramar lágrimas.

          Caminhando agora pelo corredor bem iluminado, ele se lembra daquele remédio que costumava tomar no início do tratamento, que o deixava apático, sem emoções. Parado em frente à porta dele, se lembra como costumava passar por outra porta, a do escritório deles na editora em que trabalhavam, reclamando sobre como estava com problemas com o novo livro que estava escrevendo, porque não estava conseguindo sentir as emoções dos personagens, e os escritores precisam sentir as emoções dos personagens para poderem escrever. Ele o tranquilizou, dizendo que aquilo seria passageiro e que logo as coisas voltariam ao normal e que logo Sunoo conseguiria finalizar o livro. Ele estava certo, mas o livro nunca terminou de ser escrito — foi abandonado, assim como os tantos outros que Sunoo começou e jamais terminou.

          A sala do pequeno apartamento está praticamente vazia. Parte da mobília foi levada, restando apenas algumas luminárias, que um dia já foram alvos das piadas de Sunoo. Os formatos esquisitos e nada geométricos fazem os objetos parecerem diversas coisas, dependendo da luz, e Sunoo implicou com elas logo na primeira vez que visitou o apartamento, dois andares acima do dele.

          Há quanto tempo foi isso?

— Ah, você já está aqui — a voz dele ecoa pela sala vazia, e os olhos de Sunoo já estão sobre ele, um sorriso nos lábios. — Chegou cedo.

          Sim, porque ele não conseguiu fazer nada corretamente desde que levantou da cama às seis e meia da manhã, e depois de queimar duas vezes a comida e quebrar uma caneca cheia de chá no tapete da sala, decidiu que apenas se arrumaria e subiria de uma vez até o apartamento dele, ajudar com a mudança.

— Imaginei que fosse precisar de ajuda — ele entra mais, os pés descalços sentindo o frio da madeira que há pouco tempo estava coberta, cheia de tapetes felpudos com imagens abstratas que Jongseong insistia que significavam sim alguma coisa. — O que isso está fazendo aqui ainda? — ele não segura a pergunta, apontando para as luminárias com um sorriso brincalhão.

Border • SUNJAYOnde histórias criam vida. Descubra agora