Um

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Wooyoung sabia onde eles moravam.
    Todos em Seul sabiam.
    
     Era como se a residência fosse a casa mal-assombrada da cidade. As pessoas andavam mais rápido ao passar por ali, e suas palavras entalavam na garganta. Crianças barulhentas desafiavam umas às outras a encostar no portão na volta da escola.

     Mas a casa não era assombrada por fantasmas, apenas por três pessoas tristes que tentavam levar a vida como antes. Também não era assombrada por luzes oscilantes nem por cadeiras que caíram sozinhas, mas por letras grafitadas em tinta escura, formando as palavras família imunda, e por pedras que quebravam as janelas.

     Wooyoung se perguntava por que eles não se mudavam. Não que precisassem ir embora. Não tinham feito nada de errado. Mas ele não sabia como aguentavam viver daquele jeito.

      Wooyoung sabia muitas coisas. Sabia que hipopotomonstrosesqui-
pedaliofobia era o termo técnico para medo de palavras longas, sabia que bebês nasciam sem patela, sabia recitar de cor os melhores trechos de Platão e Cartão, e sabia que existiam mais de quatro mil tipos de batata. Mas não sabia como os Jeon's tinham forças para continuar vivendo em Seul, sob o peso de tantos olhos arregalados, dos comentários sussurrados no volume certo para serem ouvidos e das intenções com os vizinhos nunca mais se estenderem em longas conversas.

      Era uma crueldade ainda maior o fato de a casa deles ficar tão perto do Colégio Treasure, onde Park Jimin é Jeon Jungkook haviam estudado e para onde Wooyoung voltaria para cursar o último ano dali a algumas semanas, em setembro, quando o sol forte do verão começasse a esmorecer.

       Ele parou diante da casa e encostou no portão, mais corajoso do que metade  das crianças da cidade. Seu olhar percorreu o caminho até a porta da frente. Pareciam apenas alguns metros de distância, mas havia um abismo entre onde ele estava e a entrada. Talvez aquela fosse uma péssima ideia. Wooyoung tinha considerado essa possibilidade. O sol da manhã estava quente, e já dava para sentir a parte de trás de seus joelhos grudando na calça jeans. Uma péssima ideia ou uma ideia ousada. Seja como for, os grandes nomes da história sempre preferiam a ousadia à segurança, e suas palavras serviam de esforço até para as piores ideias.

     Esnobando o abismo com a sola dos sapatos, Wooyoung caminhou até a porta e - após um segundo de pausa, só para se certificar de que sabia o que estava fazendo - bateu três vezes. Seu reflexo tenso o encarou de volta: o cabelo escuro é as pontas clareadas pelo o sol, o rosto pálido, apesar de ter passado uma semana no sul da França, é os olhos verde-escuros atentos, preparados para o impacto.

      Com o tinir de uma corrente sendo solta e os cliques de uma fechadura trancada com duas voltas, a porta se abriu.

── Oi? ─ cumprimentou ele, segurando a porta entreaberta com a mão curvada sobre a lateral da madeira.

       Wooyoung tentou piscar para não encará-lo, mas era impossível. Ele se parecia muito com Jungkook. Com o Jungkook que ele reconhecia de todas as reportagens de televisão e fotos de jornal. Com o Jungkook que vinha desaparecendo de sua memória de adolescente. San tinha o mesmo cabelo do irmão, preto e bagunçado, as sobrancelhas meio grossas e arqueadas, a pele branca.

── Oi? ─ repetiu ele.

── Hum. . .─ A perspicácia de Wooyoung, que costumava ter uma resposta pronta para tudo, falhou. Seu cérebro estava ocupado processando o fato de San, ao contrário de Jungkook, ter uma covinha nas bochechas. E de ter crescido ainda mais desde que o vira pela última vez. ── Hum, desculpe.  Olá.

     Ele deu um pequeno aceno envergonhado e se arrependeu de imediato.

── Olá?

── Olá, San. Eu... Você não me conhece... Sou Jung Wooyoung. Eu era da turma dois anos abaixo da sua, quando você ainda estava na escola.

── Tá bem...

── Eu queria saber se poderia falar com você um segundinho. Bom, não um segundinho. Todos os segundos têm a mesma duração. Não existem segundinho. Enfim... Será que você poderia me dar alguns segundos seguidos ?

     Ai, meu Deus, era isso que acontecia quando ele ficava nervoso e se sentia encurralado: começava a despejar fatos inúteis na forma de piadas ruins. E para piorar: o Wooyoung nervoso se tornava quatro vezes mais esnobe e abandonavar seu jeito de falar de classe média por uma imitação ruim de sotaque de homem rico. Quando é que tinha falado "segundinho" na vida ?

── O quê? - perguntou San, confuso.

── Desculpe. Deixe para lá - disse Wooyoung, se recuperando. ── É que eu estou fazendo minha QPE na escola e . . .

── O que é uma QPE ?

── Qualificação para Projeto de Extensão. É um projeto em que trabalhamos de forma independente, junto com as turmas avançadas. Podemos escolher qualquer tema.

── Ah, eu não cheguei nessa face na escola. Saí de lá o mais rápido possível.

── É...bom, eu queria saber se você estaria disposto a responder a umas perguntas para o meu projeto.

── É sobre o quê? - indagou San, franzindo as sobrancelhas escuras.

── Hum... É sobre o que aconteceu cinco anos atrás.

      San soltou um longo suspiro, curvando os lábios no que parecia uma expressão de raiva contida.

── Por quê? - perguntou.

── Porque eu não acho que seu irmão é o culpado. E vou tentar provar isso.


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ESSA OBRA É UMA ADAPTAÇÃO, DE TODOS OS CRÉDITOS PARA A AUTORA HOLLY JACKSON.

Manual de assassinato para bons garotosOnde histórias criam vida. Descubra agora