Três

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As mãos de Wooyoung se afastaram do teclado, os dedos pairando sobre o g e o h enquanto ele tentava entender o que estava acontecendo no andar de baixo. Uma pancada, passos pesados, garras derrapando e risadinhas descontroladas. No instante seguinte, tudo ficou claro.

    ── Hoseok! Por que o cachorro está usando uma das minhas camisas? - Namjoon, o som atravessando o carpete de Wooyoung.

    Ele riu, soltando ar pelo nariz, enquanto salvava o arquivo e fechava o notebook. O crescendo começava todo dia naquele horário, assim que seu Appa chegava do trabalho. Ele não conseguia ser discreto: seus sussurros podiam ser ouvidos a metros de distância, sua gargalhada repentina era tão alta que costumava causar sustos e, todo ano, sem falta, Wooyoung acordava na véspera de Natal com o som de seus passos cuidadosos no corredor do andar de cima enquanto ele pendurava as meias cheias de presentes.

    Seu padrasto era o inimigo número um da sutileza.

    Quando Wooyoung desceu a escada, se deparou com a cena em andamento. Hoseok corria de um lado para outro - da cozinha para o corredor, e do corredor para a sala -, rindo sem parar.

    Mike, o golden retriever, ia atrás, usando a camisa mais espalhafatosa do Appa Nam de Wooyoung: a verde de estampa gritante que ele havia comprado na última viagem da família para a Nigéria. O cachorro derrapava, alegre, pelo piso de madeira polida do corredor, quase assobiando de animação.

     No fim da fila, com seu terno cinza, Namjoon lançava seus quase dois metros de altura atrás do cachorro e do menino, gargalhando em uma escala ascendente desenfreada. Parecia uma encenação caseira de um episódio de scooby-Doo.

    ── Aí, meu Deus, eu estava tentando fazer meu dever de casa - comentou Wooyoung, sorrindo ao pular para trás para não ser derrubado pelo comboio.

    Mike parou para dar uma cabeçada no tornozelo dele, depois saiu correndo para pular em Namjoon e Hoseok, que tinham desabado juntos no sofá.

    ── Oi, lindo - cumprimentou Namjoon, dando tapinhas no espaço ao seu lado no sofá.

    ── Oi, Appa Nam. Estava tudo tão quieto que eu nem percebi que você tinha chegado em casa.

    ── Meu Woo, você é inteligente demais para reciclar piadas.

    Ele se sentou ao lado do Hobi e do Appa Nam. A respiração ofegante dos dois fazia as almofadas do sofá subirem e descerem contra sua panturrilha.

    Hobi começou a escavar a narina direita, e o Appa Nam bateu na mão do garoto.

    ── Como foi o dia de vocês? - perguntou, fazendo Hobi dar início a uma descrição vivida nas partes de dança que havia dançado mais cedo.

    Wooyoung deixou a mente divagar. Ele já havia ouvido aquilo tudo no carro, quando buscou Hobi na escola de dança. Não tinha conseguido prestar muita atenção na história, distraído pela forma como o treinador de dança substituto havia encarado sua pele branca quando ele apontara para o menino de nove anos e dissera: "Sou irmão do Hoseok."

    Ele já devia ter se acostumado com os olhares das pessoas enquanto tentavam entender a logística de sua familia, os números e as palavras rabiscados por sua árvore genelógica. O Americano gigante obviamente era seu padrastro, e Hoseok, seu meio-irmão. Mas Wooyoung não gostava dessas palavras, de tecnicalidades frias. Pessoas amadas não são matemática, para serem calculadas, subtraídas ou separadas por um ponto decimal. Namjoon e Hoseok não eram apenas três oitavos dele nem quarenta por cento seus parentes; eram completamente dele. Eram o Appa Nam e o irmão mais novo irritante de Wooyoung.

    Sua Omma "de verdade", a mulher que lhe dera o nome Jung, morrera em um acidente de carro quando Wooyoung tinha 10 meses de idade. E, apesar de às vezes ele sorrir e concordar quando o seu Appa Jin perguntava se lembrava como sua Omma cantarolava enquanto escovava os dentes ou como riu quando a segunda palavra de Wooyoung foi  "cocô", o garoto não tinha lembrança dele. Mas lembrar nem sempre é algo que fazemos por nós mesmos; às vezes, é para fazer outra pessoa sorrir. Essas mentiras são permitidas.

    ── E como anda seu projeto, Woo? - perguntou Namjoon, se virando para ele enquanto desabotoava a camisa do cachorro.

    ── Vai bem. Estou reconstruindo as circunstâncias do crime. Fui falar com Jeon San hoje de manhã.

    ── Ah, e ai?

    ── Ele estava ocupado, mas disse que eu podia voltar na sexta.

    ── Eu não faria isso - comentou Hobi, em tom de aviso. 

    ── Porque você é um pré-adolescente preconceituoso que ainda acha que pessoas minúsculas moram dentro do sinal de pedestres. - Wooyoung o encarou. - Os Jeon's não fizeram nada de errado. 

    Namjoon interveio:

    ── Hoseok, imagina como seria se todo mundo julgasse você por uma coisa que seu irmão fez.

    ── O Woo só faz dever de casa.

    Em resposta, Wooyoung acertou um golpe de almofada perfeito no rosto de Hoseok. Namjoon segurou os braços do garoto, que se debatia para retaliar, e fez cócegas em suas costelas.

    ── Por que o Appa Jin ainda não voltou para casa? - quis saber Wooyoung, provocando o irmão imobilizado ao aproximar do rosto dele o pé coberto por uma meia fofa.

    ── Ele ia direto do trabalho para o Clube do Livro das Ommas - explicou Namjoon.

    ── Então.... a gente pode jantar pizza? - perguntou Wooyoung.

    De repente, o fogo amigo cessou, e ele e Hobi voltaram a lutar do mesmo lado. Ele se levantou num pulo e deu o braço para o irmão, lançando um olhar de cachorro pidão para o Appa Nam.

    ── Claro - respondeu Namjoon, com um sorrisinho, dando uma série de tapinhas na própria bunda.  ── Senão como é que eu vou manter esse popozão?

    ── Appa.... - grunhiu Wooyoung, arrependido de ter ensinado a expressão para ele.







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ESTÁ OBRA É UMA ADAPTAÇÃO. TODOS OS CRÉDITOS SÃO DA AUTORA HOLLY JACKSON.



Manual de assassinato para bons garotosOnde histórias criam vida. Descubra agora