VII

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Numa tarde especialmente fria, Sasuke acendeu a lareira e se sentou no chão, encostado em sua poltrona de couro, segurando um livro. Ele não tinha nem ideia do que Sakura estava fazendo e não achava conveniente perguntar a ela. Assim, permaneceu onde estava, concentrando-se em sua leitura. O Príncipe, de Nicolau Maquiavel. Uma leitura um tanto séria, indicada por seu pai, Fugaku Uchiha.

Seu pai era dono de uma fábrica de roupas. Era um homem sério, como ele mesmo dizia. Desde pequeno, quando Sasuke lhe mostrava seus desenhos, Fugaku dava uma olhadela desinteressada e murmurava: "Mostre à sua mãe, Sasuke. Não tenho tempo para ver seus rabiscos. Sou um homem sério."

Quando Itachi tinha lhe dito que queria abrir um restaurante, Fugaku se animara e os dois tinham passado a tarde inteira no escritório do chefe da família Uchiha. Mas, quando Sasuke lhe contara que queria seguir carreira como um artista, a expressão de decepção no rosto dele foi tão evidente, que Sasuke quase pensou em desistir e ajudar o pai a cuidar da empresa quando fosse maior.

Mas sua mãe, Mikoto Uchiha o encorajava a seguir seu sonho. Convenceu Fugaku a pagar uma escola de artes para Sasuke e lhe comprou uma casa pequena, onde Sasuke vivia até hoje. Logo depois de ter se formado, Sasuke se mudou. 

A única vez em que Sasuke viu seu pai orgulhoso dele, foi quando ele se casou. Fugaku adorava Mei. Adorava Mei porque achava que ela era uma esposa submissa, que obedecia qualquer porcaria que Sasuke lhe dissesse. De fato, Mei era assim. Mas, quando ela faleceu, Fugaku não ligou.

Desde então, Sasuke tentava manter o máximo de distância possível do pai, mas não conseguia se afastar de sua mãe.

Naquela manhã, Sasuke tinha saído para comprar tinta branca e tinta preta, pois as suas estavam chegando ao fim. No caminho de volta para casa, ele encontrou a mãe. Ela lhe disse que estava indo mesmo indo lhe fazer uma visita para entregar um presente de seu pai. Ela lhe entregou o livro, mas não fez menção de entrar na casa. Deu um abraço no filho e se foi.

Agora Sasuke estava ali, naquela mesma posição, se esforçando para uma vez na vida, fazer algo que agradasse seu pai. Não que ler Maquiavel fosse algum feito histórico do qual Fugaku se orgulharia, mas se ele lhe dera de presente, era porque ele realmente queria que seu filho lesse. Aquele era o livro preferido de Fugaku. Mas Sasuke nunca fora muito fã de Maquiavel. E nunca seria.

Fechou o livro e fechou os olhos, suspirando. Então ele sentiu um cheiro agradável de biscoitos recém saídos do forno. Se levantou com certo esforço e andou até a cozinha, onde Sakura provava um de seus biscoitos. Por um instante, Sasuke ficou tentado a abraça-la por trás, como fazia com Mei. Mas ele se controlou. Tinha que se lembrar que Sakura não era Mei!

-Acabou de fazer? -perguntou, adentrando no local, inalando o aroma dos biscoitos.

-Sim -ela sorria. Agora os sorrisos de Sakura eram cada vez mais frequentes e menos tímidos. E ele tinha que admitir que ela ficava ainda mais bonita sorrindo -Aceita um? -ela perguntou.

Ele assentiu e pegou um, deixando-o cair em seguida.

-Tome cuidado! Estão quentes, Sasuke! -ela falou, pegando a mão dele para verificar se ele não havia se queimado.

-Eu percebi -ela soltou a mão dele e virou-se de costas.

-Talvez seja melhor você esperar um pouco. Vá para a sala. Vou fazer chocolate quente e levo os biscoitos para lá daqui a pouco. Quem sabe você não termina aquela pintura hoje, não é?

A última frase foi pronunciada num tom mais baixo e Sasuke percebeu que tinha alguma coisa de errado com Sakura. Será que ela também não estava muito ansiosa para ir embora? Honestamente, Sasuke esperava que fosse isso.

-Não vou terminar a pintura hoje. Ainda faltam os olhos e a boca. São os mais difíceis na minha opinião. Quero fazer isso com calma.

Temeu que ela descobrisse o que ele escondia nas entrelinhas. "Quero fazer isso com calma". Não quero que você vá embora.

-Mas você está me devendo uma coisa, Sakura.

-O que? -ela não o olhava nos olhos.

-Aquele dia, na casa do Naruto, você me disse que me contaria alguns detalhes sobre a sua vida. Você não o fez.

-Quer que eu faça isso agora?

-Quando você terminar de fazer o chocolate quente.

-Tudo bem. Me espere na sala.

Poucos minutos depois, Sasuke e Sakura estavam sentados em frente à lareira, enrolados no mesmo cobertor. O prato com os biscoitos estava apoiado nos joelhos dela e cada um tinha sua caneca de chocolate quente nas mãos.

-O que quer saber? -Sakura perguntou, constrangida por estar tão perto dele.

-Absolutamente tudo -ela sorriu -Estou falando sério!

-Me pergunte o que quiser. Irei lhe responder.

-Tudo bem... -fez uma pausa para pensar. Tinha tanto que queria saber -Você tinha uma boa relação com seus pais?

-Tinha.

-Como é? Ter uma boa relação com seus pais.

-Reconfortante. Por que? Não tem uma boa relação com os seus?

-Achei que eu fosse fazer as perguntas.

-Também tenho o direito de te perguntar se ficar curiosa, feito?

-Feito. Respondendo sua pergunta: tenho uma boa relação com minha mãe. Já com meu pai... é um pouco complicado. Na verdade, ele sempre se decepcionou comigo. Por mais que eu tente, simplesmente não consigo fazer tudo do jeito dele. Nem mesmo ler um simples livro que ele me deu de presente -ele falou, apontando para o livro há muito deixado de lado no chão.

Seguiu-se um curto silêncio, em que ambos encaravam o fogo.

-Tinha irmãos? -Sasuke indagou.

-Não.

-Gostaria de ter tido?

-Talvez. Nunca realmente parei para pensar sobre como é ter um irmão. Ou uma irmã. Mas outra noite, comecei a pensar que se Itachi fosse meu irmão, eu realmente iria gostar.

-Você não conhece o Itachi. Ele é legal na maioria do tempo, mas quando resolve ser irritante, ele fica realmente insuportável.

Ela deixou escapar uma breve risada, que logo foi engolida pelo crepitar do fogo.

-Já se apaixonou? -Sasuke não pretendia perguntar isso. Mas não pôde se conter. E ele se surpreendeu quando ela respondeu à pergunta.

-Não de verdade. Já gostei de um garoto uma vez. Sasori no Akasuna. Mas não era paixão. Não gostava dele do jeito que você gostava da Mei.

Sasuke esperava que ela fugisse da pergunta, assim como Mei fez quando lhe perguntou sobre isso uma vez. Mas pelo contrário, Sakura lhe respondera com franqueza, sem nenhum constrangimento. Ele não pôde deixar de pensar que ela era um tanto imprevisível.

-E você, Sasuke? Depois que a Mei faleceu, você já se apaixonou por alguém?

-Não -ele mentiu.

Continuaram a conversar, mas aquele "Não" se recusava a deixar Sasuke em paz. Ele mentira de forma absurda. Devia ter dito a verdade.

Sim, ele tinha se apaixonado. Na verdade, ele estava perdidamente apaixonado por uma garota de cabelos cor-de-rosa.

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