Capítulo 11

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Sara contemplava, deslumbrada, a perfeição e pureza da obra que tinha em mãos: alva e translúcida, de forma simples e elegante, fora moldada com toda certeza por mãos que conheciam as técnicas do ofício e sabiam expressar-se através dos elementos.

- Deixei para mostrar-lhe esta peça somente agora – iniciou o senhor Marco emocionado – porque precisava ter a certeza de que era a você que ele se referia.

Sara tocou nas delicadas inscrições que recobriam toda a superfície do vaso; com certeza não pertencia à época clássica da civilização egípcia, o Novo Império. Os hieróglifos harmonizavam-se de um modo mais simples e menos elaborado do que no apogeu de seu uso.

- De que período ele é? – foi o que Sara conseguiu perguntar ao colecionador.

- Do Antigo Império.

Sara estremeceu. Seu coração alvoroçara de tal maneira que ela se recusava a acreditar que os cinco sinais que compunham um nome inscrito na base da peça fossem seus conhecidos.

- Ele foi encontrado em Gebelein por um pobre agricultor que o deixou guardado por muitos anos. Antes de morrer, o miserável vendeu-o a um libanês de Zahlé, cidade do vale do Bekaa. Ele o comprou por uma ninharia com o intuito de presentear o filho de criação que é apaixonado pelo povo e cultura egípcios. Conheci este rapaz há alguns anos na França, onde concluía seus estudos; doutorou-se pela Sorbonne em cultura egípcia. É uma figura impressionante ...

- Ele lhe vendeu o vaso?! – Sara achava muito estranho que o possuidor daquele tesouro pudesse se desfazer dele.

- Aí é que a história toma um rumo inusitado – o senhor Marco estava sério e ligeiramente tenso 

– Este jovem, em uma bela tarde, antes de retornar ao Líbano onde trabalha com a família, foi até meu hotel com uma caixa feita de papiros entrelaçados entre as mãos. Quando retirou o objeto, seus olhos o fixaram com ardor e os meus, com surpresa e maravilha. Mas, mal pude ver os detalhes, pois ele me disse sem rodeios.

- Leve este vaso e o entregue para a mulher da qual ele fala.

- Não tive tempo de formular qualquer pergunta – o velho homem levantara-se da cadeira com os olhos marejados – apenas o tomei entre as mãos e comecei a decifrar as inscrições.

- "Aquela que vem do Ocidente," – a voz de Sara adquirira uma vibração vacilante, como se temesse prosseguir, temerosa por reconhecer as palavras – "cuja face vislumbrei nas estrelas e que me indicou o lugar da eternidade. Seus olhos têm a cor do Nilo, vários dias após a chegada da cheia, verdes como o corpo de luz de Osíris; são perigosos, aparentemente tranquilos, escondem o turbilhão que traga as frágeis embarcações de papiro ou os nadadores que ousam mergulhar em seus segredos. Vi sua alma solitária que buscava a verdade; todos os seus caminhos a conduzem a mim; seu coração clama pelo meu, em uma melodia única que somente nós entendemos. Minha ciência a fascina, minhas origens lhe foram reveladas pelo Criador. Seu fogo não se extingue e me consome pelo desejo de vê-la chegar. Vive em um tempo distante do meu, mas é minha companheira. A princesa que se esconde para além da montanha sagrada e que prometeu-me desvelar o caminho do Além..."

Sua voz falhara. Sempre tão contida, deixou que as lágrimas lhe inundassem o rosto e lavassem o coração. Há mais de 4.000 anos um homem havia lhe deixado uma mensagem. Imhotep, o simples oleiro que tornara-se o homem mais importante do Egito após o faraó, moldara e talhara o alabastro para lhe dizer as palavras que sempre procurara ouvir.

- Precisa ir até Zahlé – o senhor Marco falava com firmeza, como que não admitindo uma recusa. 

– Fale com o homem que o entregou a mim e, juntos, dirijam-se a Gebelein. É lá que ele está sepultado.

Gebelein. Era lá que viviam Herus e Yunet. Era lá que parecia que seu coração sempre estivera ...

- Irei patrocinar as escavações. Não terá que se preocupar com os aspectos burocráticos ou financeiros.

- O que o senhor quer em troca?

- Que, quando encontrar o corpo de luz de Imhotep, me traga o escaravelho que substituiu seu coração.

Após um pesado silêncio, continuou.

- Assim que estiver pronta para a viagem, retorne até aqui para combinarmos os detalhes. Faris estará esperando por você.

O senhor Marco retirou da gaveta de sua secretária um elegante bloco de papel em que escreveu um endereço eletrônico e entregou-o a Sara.

- Entre em contato com ele.

Sara colocou o papel no bolso da calça. Pegou a maleta em que guardara o notebook e despediu-se do senhor Marco.

- Não esqueceu nada? – o velho estendia-lhe a caixa feita de papiros onde acomodara a relíquia.

- Não posso levá-lo! É um objeto precioso demais.

- Feito para você.

- Não posso...

- Ele é seu.

Sara aconchegou o embrulho contra o peito.

AMORE IN VERMIGLIOOnde histórias criam vida. Descubra agora