Capítulo 2

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Há três dias estava em Treviso; aquele velho colecionador mostrava-se arredio e mal-educado, mas ela também era suficientemente teimosa para vencer-lhe a resistência. Não seria aquele um indício de que tinha em seu poder relíquias preciosas?

Para aplacar a ansiedade e evitar que seus transtornos estomacais retornassem, assim que chegou à cidade, logo foi procurar um local em que pudesse nadar, uma das atividades que a acalmavam, juntamente com a equitação. Aquela era já a terceira vez que utilizava a piscina do clube, antes que o sol anunciasse mais um dia de espera. Velozmente percorria os 50 metros da raia, como se competisse com um adversário imaginário. Mas, o seu maior inimigo não era realmente o tempo?

E, se fosse mesmo o sítio de Saqqara que abrigava a "Morada da Eternidade" dele? Várias equipes já trabalhavam na região com esta esperança; ladrões de artefatos não conheciam a localização?

Entregue a si, não percebeu que ultrapassara o limite que ela mesma se impunha; há mais de uma hora que se exercitava com a fúria de um atleta em competição. Porém, quando apoiou-se na borda para sair, seu rosto de uma beleza distante e melancólica, estava tranquilo. Ao sentar-se, retribuiu o sorriso de cumprimento que um nadador, também madrugador, lhe dirigiu. Pelo porte, devia ser um atleta.

Ele a fez recordar de um dos primos e da já esquecida sensação de amor fraternal; por um momento, chegou a sentir o cheiro do café da manhã, com pão francês e leite com café, gavetas arrumadas pela mãe, enfim, aroma de uma espécie de fraternidade.

Ao sair do edifício, estava mais controlada. Tinha um plano complementar a ser colocado em prática, caso não obtivesse sucesso naquela jornada: voltar para o único lugar a que pertencia de verdade.

Concentrando as energias na esperança de um resultado positivo, dirigiu-se a uma pequena e simpática quitanda: era ali que encontraria os ingredientes para o preparo de seu creme depilatório. Uma vez por semana, espalhava a mistura nas longas pernas, axilas e partes íntimas. Passava o dia todo com um delicado e refrescante aroma e, somente à noite, no chuveiro e com o auxílio de uma bucha, retirava a penugem sem dor.

Por que não associar-se a uma rede de produtos cosméticos e produzi-lo em escala comercial? Não tivera coragem de revelar aquela descoberta nem mesmo à irmã. Muitas vezes envergonhava-se daquela sua obsessão pelos egípcios; mas, não foram eles a lhe inspirar a criar a fórmula?

Enquanto caminhava, imaginava Imhotep atendendo um paciente: "Uma doença que eu conheço e que vencerei..." diria ele após tocar no enfermo, sentir o cheiro de seu corpo e decifrar aquela linguagem tão eloquente e tão pouco ouvida. Depois, prepararia o remédio que aliviaria as dores.

O que muitos médicos fazem hoje? Mal olham as pessoas, preocupados em demasia em anotar em uma ficha o que seus pacientes lhes relatam. Em menos de dez minutos, estes saem da sala com a receita de uma droga que, quando "cura" um órgão, destrói outros dois...

Subiu os lances da escada que a conduziam à entrada do prédio do colecionador; ouviu sem surpresa e mais uma vez a voz "telefônica" da auxiliar lhe informar que ele não poderia recebê-la. Desta vez, porém, ela o esperaria o tempo que fosse necessário.

Sentou-se para saborear uma maçã gigante, inexplicavelmente vermelha e doce. Aquele era o seu almoço, pois precisava preparar-se para o "jantar": uma casquinha, como a dos sorvetes, feita com massa de macarrão, só que doce, recheada com um creme de ricota e pistache, servida com sorvete de chocolate e calda de damasco. "A Itália é, definitivamente, um país perigoso para quem precisa esforçar-se para manter a boa forma!" - pensou.

AMORE IN VERMIGLIOOnde histórias criam vida. Descubra agora