Numa terra longínqua, entre montanhas em que a brisa carregava o cheiro de pinheiros, de campos de lavanda e o frescor de lagunas cristalinas, existia um povo que tocava o céu.
E esse povo era composto pelas criaturas mais belas já criadas pela deusa-mãe, com longas asas de penas das cores mais variadas, o arco-íris não parecia conter todas as cores que aqueles que tocavam o céu tinham, e belezas etéreas inerentes de divindades. Eram reclusos e viviam da natureza, de seus frutos, animais e de suas dádivas. A relação de convivência ali era respeitosa e organizada, quase imortal e, o mais importante, era intocado por aqueles que não podiam tocar o céu.
Tudo começou na escuridão, onde existiam entidades coexistindo em silêncio profundo, adormecidas, até uma delas acordar de seu sono profano. Nerthus vagou pelo denso breu atrás de uma luz por séculos e séculos, até entender que não a encontraria e, se sentindo sozinha na escuridão, decidiu criar sua própria luz.
Com uma lágrima criou o mundo e de quatro partes do seu próprio corpo criou seus filhos: das mãos nasceram os artesãos, aqueles com o toque abençoado; da testa nasceram os sábios, que herdariam a liderança, a justiça e sabedoria; da sua alma vieram os curandeiros, poderosas criaturas de coração gentil que usariam da natureza e de seus dons para curar corpo e mente. Por fim, das suas asas, vieram os guerreiros, que a estes fora incumbido a maior das responsabilidades, proteger os portões do céu da escuridão além dele.
Nerthus, com medo da inveja de seus irmãos e querendo ter apenas para si aquela luz, guardou seu mundo recém criado dentro de seu peito, trancado em seu coração. Dentro de si mesma ela podia escutar as risadas de alegria de seus filhos, seus choros, suas brigas e sua reconciliações. Nerthus não se sentia mais só.
Seu pequeno paraíso ia tão bem que ela mimava suas crianças com tudo do bom e do melhor e, embriagada pela felicidade, decidiu presenteá-los com uma gota de seu sangue, para que pudessem usá-lo em tempos de extrema necessidade, pois tinha poder para tudo criar e curar, inclusive a morte. Ela embebeu a terra na sua gota de sangue, que era feito de pura luz, para que fosse apenas possível de ser extraído em pequenas quantidades, pois sabia que tamanho poder poderia ser destrutivo para seus filhos, e confiou um pedaço do segredo como fazê-lo com o líder da cada uma das quatro tribos.
Porém, Nerthus, que tudo havia criado e dado para seus filhos, foi tomada por uma cegueira que só o amor em excesso pode acometer, subestimando a mais importante das informações, seus filhos sendo filhos de uma entidade da escuridão, não buscam nada além de luz.
Quando o último segredo foi entregue, o mundo que outrora era pacífico, foi tomado pelo orgulho e pela ambição. O que uma vez era um paraíso se tornou um campo de guerra.
Mas a guerra começou algo muito maior, porque, agora, tudo o que aquela entidade que os criou sentia era raiva e tristeza. A dor de Nerthus era tanta que ela gritava em desespero para o nada em que habitava, acordando seus irmãos de seu sono imortal, enquanto o peito dela brilhava como pura luz.
Então, os irmãos de Nerthus avançaram contra ela, mesmo lutando contra eles, ela estava fraca pela tristeza que se apossaram de seu corpo pelo comportamento de seus filhos, por isso, não foi capaz de se defender quando rasgaram seu peito e feriram seu coração.
Alguns de seus irmãos, tão famintos pela luz que surgia como um clarão no meio do breu de sua existência, quebraram os portões do céu e invadiram seu mundo que fora tão cuidadosamente criado e amado, sugando a luz dos filhos de Nerthus e os obrigando a lutar contra essas entidades. Foi vendo um inimigo em comum que alguns poucos perceberam que precisariam lutar lado a lado para vencerem as trevas que se alastraram pela sua casa. Mas não os deram ouvidos.
O guardiões não protegeram, os curandeiros não curaram as feridas, os artesãos não confeccionaram armas e escudos e os sábios não lideraram. Os segredos foram perdidos e tudo o que sobrou do paraíso de Nerthus foi destruição e ressentimento. Os resquícios de luz eram tão pequenos e insignificantes que os irmãos da escuridão perderam o interesse e a deixaram em paz.
Nerthus, vendo que seus filhos se tornaram escravos do ódio, retirou suas dádivas e os transformou em mortais. Fadados a viver uma vida de miséria em busca de algo que jamais poderiam ter. Eles foram chamados de Aqueles que não tocam os céus. Entretanto, para aqueles que deixaram a raiva e o orgulho de lado durante a guerra, ela os presenteou com todas as dádivas antes separadas.
Para eles, ela reconstruiu um paraíso entre as montanhas, impossível de ser acessado por mortais, e agora todos possuíam dons de cura, sabedoria, artesanato…e de tocarem o céu. Ela ainda abençoou suas terras com um pouco daquela gota, transformando seus frutos e sua água. Trazendo sua imortalidade para aqueles que um dia foram seus adorados filhos. Com um único aviso: que não se deixassem contaminar pelos pecados de seus irmãos mortais, que não lhes dessem nada de sua terra e, principalmente, que não misturassem seu sangue com aqueles que foram banidos.
Alguns dizem que ela ainda luta contra seus irmãos mais obstinados em prol do seus filhos orgulhosos, outros dizem que até hoje monstros habitam as terras abandonadas por Nerthus.
Porém, uma coisa é tão certa quanto a aurora que se ergue no leste e o ocaso que se recolhe no oeste, em algum lugar bem próximo aos olhos e escondido dos corações contaminados, aquela gota de luz continua lá,
E a única coisa que a escuridão busca, é luz.
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Doces vozes da minha cabeça
FanfictionCriações da minha cabeça durante noites sem dormir.