Apenas agora

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Naomi

Só existe uma coisa boa em dirigir sozinha: eu posso cantar todas as minhas música preferidas a plenos pulmões, sem ser julgada por ninguém. Uma semana se passou após o quase desastre do hospital. Uma semana que eu o vi pela primeira vez após 7 anos. Nós não nos falamos ou trocamos olhares. Sempre que eu o olhava, ele fingia não me ver. Eventualmente eu parei de olha-lo e me concentrei nos meus avós.

Decidimos estar na fazenda no começo do final de semana seguinte, mas antes disso, algumas coisas precisavam ser arranjadas. O desejo do nosso avô foi respeitado, mas isso não significava que não iríamos preparar a melhor estrutura possível para deixá-lo confortável, e isso incluía uma equipe de enfermeiros a sua disposição. Essa é, sem dúvidas, a parte boa de fazer parte de uma família respeitada como os Portes. Vovô Joaqueim é responsável por fundar, juntamente com o seu irmão já falecido, a Portes Incorporadora, por isso, grande parte da nossa família é composta de engenheiros e arquitetos, como eu. Mamãe fala que foi o destino.

Contudo, apesar de fazer parte da família dona da maior empresa no ramo de construção civil do estado, eu decidi não entrar nos negócios da família. Irônico, eu sei, mas não me pareceu certo usufruir do nome que nem é meu. Sei que sou competente, mas já tive todo o suporte dos Portes, emocional e financeiro. Já tive muitas discussões com meu pai sobre isso. Ele sempre fez questão de me ter ao seu lado na empresa, mas meu orgulho sempre falou mais alto, por isso, fundei minha própria empresa, Studio Ferri Arquitetura.

Tive o apoio de todos os meus parentes, mas eu precisava de algo meu. Tenho muito orgulho daquilo que eu fundei do zero, do meu esforço e de todo o tempo que eu investi. Além disso, a Portes Incorporadora é uma empresa de grande porte, com clientes de alto poder aquisitivo, enquanto a Studio Ferri Arquitetura tem a proposta de uma empresa local, com poucos clientes e projetos completamente pessoais. É isso que eu amo fazer, conhecer as pessoas, suas histórias, e poder construir para elas algo que reflita quem são. Isso não nos impede de oferecer ajuda uns aos outros como família, por isso, antes de ir para a Fazenda, eu paro na Portes Incorporadora para ver como meu pai está deixando tudo pronto para a sua ausência. Ele decidiu dedicar o máximo de tempo possível ao nosso avô, por isso, está tirando férias. São as primeiras desde que eu me formei na faculdade, três anos atrás.

– Joaninha, o que faz aqui? Achei que você já estaria na fazenda. – Diz quando eu entro na sua sala. O seu terno, sempre alinhado, parece bagunçado, assim como seus cabelos.

– A Lisa me ligou e disse que você não voltou para almoçar em casa hoje. Decidi checar o meu velho. – Minha irmã mais nova, Lisa, é sempre muito atenciosa, por isso, ela achou estranho o nosso pai não ter aparecido em casa desde cedo. Posso dizer que é uma situação difícil para ela, lidar com a fragilidade do nosso pai.

– Estou bem, joaninha. Só preciso finalizar umas coisas antes de tirar férias. – Posso ouvir sua voz falhar ao dizer a palavra "férias". Certamente não é assim que ele se lembrará desses dias. Respiro fundo e me sento na cadeira a sua frente.

– Tudo bem, do que você precisa? – Pergunto olhando para os papéis na sua frente. Ele continua sem me olhar nos olhos, focado no trabalho. Seguro sua mão, e finalmente ele me encara. – Pai, você realmente está finalizando algo, ou está apenas evitando a realidade? – Ele não me responde imediatamente, e eu tenho minha resposta.

– Tudo bem se sentir frágil, papai. – Digo suavemente e o vejo quebrar o contato visual.

– Eu tenho que ser forte por vocês, joaninha. – Meu coração se aperta ao ouvir suas palavras. Ele é sempre forte por nós, não é justo que carregue o peso do mundo sozinho em suas costas.