Show de horrores

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Alice havia se divertido bastante o dia todo. Como de costume, no aniversário da cidade, sempre faziam uma grande festa e desta vez tinham o parque itinerante mais famoso da região como atração principal.

A garotinha pôde experimentar pela primeira vez as maçãs do amor, que sempre ouvia os amiguinhos dizerem que eram muito boas, além de comer pipoca e de ganhar um urso de pelúcia nas barraquinhas de jogos que nunca faltavam em eventos como aquele. Estava cansada e queria voltar logo para casa, mas, ao longe, contrastando com o entardecer alaranjado, viu uma tenda que ainda não havia visitado. Sua curiosidade foi tamanha que a fez caminhar até lá.

À medida que se aproximava, as características da tenda ficavam mais evidentes, fazendo-a perceber que a lona aparentava ser muito antiga e que possuía manchas em algumas partes. Além disso, as cores, que antes deviam ser de um branco e vermelho vivos, naquele momento estavam totalmente desbotadas, como se a estrutura tivesse sido erguida há anos.

Qualquer um que visse a cena, diria que era no mínimo estranha. Uma menininha pequena para a idade, de cabelos dourados e lisos, andando com determinação para um lugar tão peculiar e assustador quanto aquele. As crianças gostavam das cores chamativas do festival, dos doces, da diversão, e não daquele lugar feio, afastado e desgastado pelo tempo, porém ela ainda assim continuava, como se estivesse hipnotizada. O urso que arrastava pelo chão fazia um rastro na areia fina que formava o caminho tortuoso. Uma brisa soprou no momento que chegou à tenda e uma fenda se abriu, como se a convidasse a entrar. Foi o que ela decidiu fazer.

O lado de dentro só não estava totalmente escuro por causa de um rasgo na lona bem no alto, fazendo com que a luz do sol que entrava se assemelhasse muito com um holofote. Uma pequena arquibancada era visível logo à frente e, ao caminhar até ela, esbarrou em um rádio muito velho, mas que ainda funcionava. Dele, muito baixa, começou a se evidenciar uma ligeira batida, semelhante às de um coração, que se combinava com algumas curtas e agudas notas de piano, lembrando uma música infantil. A melodia progrediu lentamente e a luz no interior começou a oscilar como se fosse uma lâmpada prestes a queimar. Alice ficou um pouco assustada, mas mesmo assim colocou o ursinho em seu colo, abraçou-o e sentou-se. Sentia um pouco de frio.

Uma mulher de cabelos ruivos, cacheados e volumosos apareceu no centro do palco fazendo a garotinha pular de surpresa. A luz parara de piscar e estava totalmente concentrada na figura à sua frente. Usava um collant com listras verticais nas cores verde e vermelha e estava de cabeça baixa, de modo que não era possível ver seu rosto. De repente, a mulher começou a cantar com uma bela voz, produzindo um eco suave no ambiente, combinando com a música. Começou também a se torcer de várias maneiras diferentes, comportando-se como uma contorcionista de circo, porém seus movimentos eram mecânicos, como se fossem feitos por um robô que precisasse de óleo nas engrenagens.

Alice ficou confusa, pois não conhecia totalmente aquela língua em que a mulher misteriosa cantava. Conseguiu reconhecer apenas as palavras venha, curiosidade, desejo e bem-vindo. Mas ainda assim não podia negar que era impressionante a apresentação dela. Deixou de abraçar o urso de pelúcia e aplaudiu.

Mesmo a mulher não mostrando o rosto de maneira alguma, Alice sabia, de alguma forma, que ela sorria.

Enquanto a música continuava, a luz começou a oscilar novamente e um homem tomou o lugar da contorcionista. Tinha a aparência de um boneco, pois estampava um sorriso vitrificado nos lábios e tinha bochechas muito rosadas. Usava uma cartola, que mantinha seus olhos escondidos, roupas típicas de um apresentador de circo e carregava consigo um chicote escuro e comprido.

Ao fundo, bem baixo, uma guitarra soou e ele começou a cantar também, estalando o chicote em intervalos regulares e com movimentos perfeitamente ritmados, contribuindo também com a música. Sua voz era grave e meio rouca.

Alice o aplaudiu também e dessa vez ela reconheceu as palavras trono, bem, mal, comando e sonho. Ele inclinou a cabeça ligeiramente para o lado esquerdo, ainda com o sorriso vítreo estampado em seu rosto.

O som da guitarra se tornou mais presente e complementou a música de fundo, o chicote estalando ritmicamente. A luz começou a oscilar pela terceira vez e ora a contorcionista, ora o apresentador apareciam. Risadas ressoaram em torno de Alice e ela olhou em volta. Todos os assentos estavam ocupados por todos os tipos de pessoas e de todas as idades. Algumas comiam pipoca, outras algodão doce, algumas conversavam e muitas delas apenas riam. Risos quase histéricos.

Guitarra, chicote, sons agudos, batidas.

As luzes finalmente pararam de oscilar e ambos agora estavam parados no centro do palco. Cantavam novamente, mas dessa vez davam passos lentos em direção à garota.

Ela só notou que era tarde demais quando olhou em volta outra vez e percebeu que todos os espectadores estavam de pé observando-a fixamente e em silêncio. Não havia para onde fugir e o medo começou a crescer em seu peito.

A contorcionista ergueu a cabeça lentamente, seu pescoço emitindo sons como de ossos se partindo, e mostrou seu rosto sem feições pela primeira vez. O apresentador retirou sua cartola, seu sorriso e suas bochechas rosadas indo ao chão, ambos parte de uma máscara, evidenciando, assim, seu rosto extremamente semelhante ao da mulher, com exceção da cicatriz que cruzava a região onde deveria estar sua sobrancelha direita.

A luz voltou a oscilar e dessa vez ininterruptamente. Alice acabou derrubando seu ursinho de pelúcia no chão e percebeu que todos inclinaram a cabeça para a esquerda, ligeiramente e devagar, o rádio tocando notas isoladas que ficavam cada vez mais graves, depois parando abruptamente. Ela só teve tempo de cobrir o rosto. O estalar do chicote foi a última coisa que ouviu. 

Olá, dragão leitor!

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