6 - Legado

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Na noite anterior, só consegui me manter quieta em meu quarto quando tive a certeza de que Hyunmin estava em sua normalidade. Minha noite foi mal dormida, num sono entrecortado, e perdi as contas de quantas vezes acordei com a testa repleta de suor, a sensação de perigo ainda me atormentando.

Meus sonhos conseguiram ser os piores. No último deles, eu estava sendo engolida pela escuridão, por tentáculos escuros e pesados, enquanto a fumaça densa intoxicava meus pulmões. Ergui minha mão para o alto, clamando por ajuda, mas recebi apenas uma resposta violenta das sombras que me puxaram para baixo rumo ao vazio. Parecia um lago de piche em meio a um bosque sombrio, com uma névoa passeando pela sua superfície na mesma tonalidade da água viscosa, bloqueando a minha visão por completo.

Submersa, escutei uma voz distorcida e perturbadora ecoar pela minha cabeça.

Aonde está a sua humanidade, Chaeyoung? Você é um ser digno de pena.

Tentei gritar, o gosto amargo daquela substância grudenta fazendo com que eu me arrependesse de resistir a escuridão.

Esperneie o quanto quiser, você não vai fugir de mim. Esta agonia, não importa o que faça, ela vai te destruir. Você é fraca, Son Chaeyoung, sua mãe vai esmorecer naquela cama.

No fim, me lembro de ter acordado de sobressalto quando atingi o que seria o fundo das águas. Demorei para ter a coragem de levantar da cama, notando que o começo de um resfriado me atingiu devido ao frio congelante do dia anterior, e após todo o processo de me convencer de que aquele sonho não foi real e que eu não tinha motivos para me abalar, aqui estou eu, tentando distrair os meus pensamentos com tarefas cotidianas. A espuma nos pratos deveria me afastar daquele sonho macabro, mas o tédio e a minha dificuldade de parar de pensar ao menos um segundo durante o dia parecem me arrastar de volta para aquele lago.

Amaldiçoadas sejam as sombras de Myoui Mina, a razão do meu pesadelo. Coloco uma caneca com tanta força no escorredor ao lado da pia que pareço chamar a atenção de Pétros, antes entretido em sua tarefa de preparar o almoço. Ele deixa a faca em cima da tábua de madeira e limpa em seu avental as mãos calejadas que cheiram a cebola, antes de me encarar com curiosidade, suas grossas sobrancelhas arqueadas.

— Essa é uma das minhas canecas preferidas, pegue leve com isso aí.

Nem me dou o trabalho de responder, concentrada demais em como posso ajudar a minha mãe em suas tarefas do dia. Pétros, ainda em seu pijama listrado, os cabelos grisalhos desgrenhados, resmunga algo que não sou capaz de compreender e volta a cortar suas cebolas que mais tarde serão úteis em sua receita de choriatiki, uma salada típica grega. Ele já cortou um pepino, tomates, os pedaços de queijo feta e separou as azeitonas e orégano de um lado da sua tábua de madeira. No forno, a carne de cordeiro que Pétros preparou primeiro já se encontra quase em seu ponto perfeito.

Fungo o nariz e pigarreio a garganta quando termino de lavar a pilha de pratos, disfarçando de uma maneira péssima o meu resfriado. Pétros, inquieto devido ao meu silêncio, faz questão de arremessar algumas de suas farpas corriqueiras.

— Quando você vai parar com essa sua birra e aceitar que não deve se arriscar lá fora? Acha que não notei esse machucado em seu pescoço? — Ele engrossa a voz, como faz quando quer me dar alguma lição de moral — Alguém além de mim tem que cuidar da plantação, deveria deixar de lado essa baboseira.

Passo os dedos úmidos sobre o corte, agora coberto por um curativo, e lembro claramente do punhal escuro que me deixou esta pequena marca de presente.

— Já disse que algumas máquinas poderiam te ajudar na produção, mas o senhor insiste em usar o seu trabalho braçal. — Dou de ombros, enxugando as mãos em um dos panos da cozinha na intenção de me retirar logo desse ambiente.

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