Alvorecer Primaveril

33 4 5
                                    

A chegada da primavera à cidade de Aborion havia sido marcada pelo nascimento de um sol frio que se erguia, encoberto por nuvens apáticas, com disciplina e vagareza sobre as águas do Mar da Espuma, trazendo à cidade ventos álgidos e uma neblina densa. O senhor do inverno, que insistia em castigar a região, parecia estar relutante em despedir-se do hemisfério e aceitar sua derrota diante da deusa da fertilidade. Agora, restara a ele retornar a sua tumba e esperar mais nove meses para tornar a enfrentar a deusa, em seu apogeu, perpetuando seu reinado gelado.

Antes de ser despertada com o delicioso cheiro de pão, bolo e cola de sapato, Aborion estava calma e silenciosa. Após o temporal que dominou a madrugada, as ruas de pedras da cidade encontravam-se molhadas e escorregadias, adornadas com um tapete lamacento, orvalho e ainda com alguns cartazes amassados e sujos com dizeres do tipo: "Você está convocado, aliste-se ao exército real"; e outros, conflitando com estes, "Pela Libertadora, lute em favor dos deuses".

Embora a noite tenha sido agradável à maioria da nobreza dos Homens dos Prados do Oeste, Uilosgor sequer conseguiu pregar os pequenos olhos. A ansiedade e a insônia lhe roubaram o sono como uma serpente devoradora de ovos e, o nervosismo e a apreensão fizeram-lhe perder mais uma noite, fazendo-o caminhar a esmo em seu próprio aposento, apoiado em sua bengala de nogueira com cabo de aço, e fumando seu estimado cachimbo.

Uilosgor era calvo, possuindo alguns poucos fios brancos em sua cabeça arredondada, e corpulento. Possuía rugas salientes nos cantos dos olhos e as bolsas que ficavam sob estes eram excessivamente inchadas, como dois cantis de couro cheios d'água.

Devido a febre maldita e aos anos que dedicou ao tabaco, as ervas e ao álcool, sua respiração era dificultosa e sua saúde, precária. Dessa forma, seus movimentos nunca podiam ser repentinos ou acelerados, porque causava-lhe demasiado cansaço.

Ele resmungava consigo mesmo as razões de sua angustia enquanto seus olhos corriam pelo amplo quarto, analisando todos os cantos de maneira a aprovar a limpeza e a organização, verificando se a mobília estava devidamente polida e se cada objeto estava em seu lugar. Ele encontrou finas teias de aranha no lustre de velas e um pequeno tufo de poeira aos pés da cômoda bem lustrada. Criados inúteis, pensou ele.

Percebendo o alvorecer, ele suspirou, teria mais um dia exaustivo e sufocante pela frente. Ele vestiu-se com uma camisa de lã, um gibão de couro, feito sob medida, e uma calça. Depois, abriu a primeira gaveta da cômoda e pegou um porta joias de madeira clara, iguais aos seus olhos, do qual retirou um enorme medalhão de prata com a inscrição da letra "E", e muitos anéis.

Deixando o cômodo, o velho encontrou um soldado alto e estático guardando a porta de seus aposentos. Ele trajava uma armadura de aço polido, com uma insígnia de uma torre solitária de bronze na couraça.

— Sir. Rieren — cumprimentou com voz cansada. O guarda afastou-se da porta e o saudou com uma reverência militar —, poderia me acompanhar até os aposentos reais?

O guarda sabia que aquilo não era um pedido, principalmente porque o velho estendera à ele o braço esquerdo, esperando que ele o envolvesse e lhe servisse como um suporte sobressalente.

— Não quer que eu chame seu pajem, senhor? — perguntou, hesitante.

— Se esse fosse meu desejo, você não acha que eu teria assim pedido? — retorquiu ele com rispidez.

O guarda empalideceu.

— Perdoe-me, vossa graça — declarou o guarda, segurando o velho com firmeza. — Como desejar.

— Guarde seu perdão para o fim do dia. Caso contrário, terei que concedê-lo mais do que eu poderia e mais do que você merece — tossiu em advertência. — A propósito, diga ao executor para açoitar com vinte e cinco chibatadas os servos responsáveis pelos meus aposentos, ao final da primeira hora. Aquele lugar está imundo!

PalaciusOnde histórias criam vida. Descubra agora