Obrigações e Rebeldia

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Niara murmurava uma canção antiga enquanto os ventos salgados agitavam seus cabelos cor de nozes. Ela estava debruçada à cerca de madeira do caramanchão adornado com flores rubras e alaranjadas, contemplando a encosta pedregosa e, mais abaixo, as ondas revoltas do Mar da Espuma golpeando as rochas com tremenda violência. Aquele era seu lugar favorito dentre todos os cômodos do palácio que vivia.

Seu rosto emanava o aroma dos sentimentos mais intensos provocados por uma tristeza distante, porém o frescor, que transcendia de suas feições, eram duma seriedade inexplicavelmente inexpressiva, como se seus olhos azuis desejassem fugir do labirinto o qual sua mente a prendia.

Mesmo afogada no mar de suas emoções, Niara permanecia tão linda quanto qualquer flor que a rodeava. Seu vestido acobreado e bege lhe trazia a mesma elegância do voo de uma bela garça sob um céu púrpura com nuvens douradas, e seu coração congelava como as águas dos lagos dos países ao Norte quando chegava o apogeu do inverno, sentindo-se cada vez mais sozinha.

Embora os momentos em que se deleitava na solitude fossem os que lhe traziam certo contentamento outrora, Niara não encontrava mais a paz que tanto almejava, quando era envolvida pelos braços do descanso e recebia um beijo singelo em sua testa do alento. O sentimento que a tomava era torturante e agressivo, a tempos ele havia rompido os grilhões que o aprisionavam, e o silêncio não podia mais contê-lo, sufocando-a como uma serpente que embosca sua presa.

Em suas tentativas de recusar-se a derramar algumas lágrimas e na desordem de seus pensamentos, ela não percebeu as figuras que se aproximavam, nem ouviu os cinco passos de seus portadores.

— Ótimo dia, alteza! — saudou Uilosgor com um sorriso meio banguela e com uma reverência simples, muito diferente da executada por Eduaro, exagerada em demasia.

Niara apenas virou o rosto acima do ombro direito, estampando um olhar semicerrado e desinteressado, depois retornou a observar a agitação do grande mar à sua frente.

— Eu suponho que ainda esteja chateada comigo — disse Uilosgor, desvencilhando-se do sustento de Eduaro e, auxiliado por sua bengala, achegando-se mais da jovem princesa. — Para que os deuses maiores e menores sejam testemunhas dos meus atos e de minhas declarações, estou fazendo o que sei ser o melhor para você... diante das circunstâncias.

— Você sequer se incomodou em me contar — sussurrou ela ainda fitando as ondas.

— Não era um assunto que possuía tanta relevância...

A princesa Niara suspirou e rugiu:

— Não possuía tanta relevância? — questionou virando-se para o velho chanceler. — Eu não passo de uma mercadoria? Que tipo de monstro é você?

Uilosgor encarou aqueles olhos safiras por um longo tempo com um sorriso nos lábios murchos, imergindo em memórias empoeiradas e lembranças esquecidas de dois pequenos garotos brandindo espadas de madeira enquanto brincavam na orla das praias de Albaburgo, ao passo que ele inspecionava a administração dos portos do condado. Todavia, seu sorriso se desfez ao recordar que um dos garotos estava flertando com a morte.

— Vossa graça — enunciou Eduaro com respeito —, se me permite, peço para me ausentar de sua presença e da princesa. Existem alguns afazeres que desejo realizar antes da reunião com a Alta Cúpula, devo preparar os documentos para exposição e organizar as patrulhas na cidade.

— Como quiser — autorizou Uilosgor seguido de uma tosse seca. — Caso encontre meu inútil pajem, mande-o aguardar por mim na Segunda-Torre. Ele também participará da reunião. — Agitou uma das mãos e dispensou o comandante.

Após o chanceler se sentar num banco de madeira, houve um longo momento de silêncio.

— Você não é uma mercadoria — disse ele, incisivo. — Nunca pensei isso e nunca pensarei em você dessa forma.

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