Sábia Loucura

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Os passos morosos do comandante, guiados pelo chanceler e sua bengala de nogueira, se chocavam contra o estreito caminho de tijolos cinzentos cercado pela macia terra úmida do jardim da coluna. Naquela manhã, diferente do costumeiro, a relva não brilhava, mas as diversas rosas brancas e os cravos lilás exalavam um perfume gentil e delicado pelo ar. Se sua mente não lhe pregasse peças arrugadas e a calmaria da primavera não houvesse sido rompida por berros de sofrimento da criada açoitada, Uilosgor se lembraria de quando encontrou sua falecida esposa pela primeira vez, pois a conhecera numa paisagem semelhante.

Após percorrerem por algum tempo, eles atravessaram um amplo arco de pedra, ornado com rosas vermelhas e musgo verde, que dava para uma escadaria de granito amarelado. O velho desceu apoiado à balaustrada branca e ao braço do comandante, resmungando sobre a irregularidade dos degraus que acumularam água da tempestade ocorrida à noite passada.

Enquanto descia a escadaria, os jardineiros, que realizavam a manutenção do jardim da rainha, buscaram transparecer contentamento ao manusearem pás, regadores e tesouras de poda com afinco. Em seus rostos, eles estampavam largos sorrisos genéricos e olhares distantes e vazios.

Uilosgor e o comandante caminharam até uma fonte de pedras negras que ficava no centro do jardim, rodeada de flores de cor púrpura. Havia também ali uma estátua duma mulher muito alta em mármore branco. A escultura trajava um fino vestido de seda; possuía um semblante sereno quase angelical e, sobre seus cabelos longos como a crina dum corcel marcial, se postava uma pequena coroa. Sobre seu ombro esquerdo, uma águia rapineira se empoleirava enquanto, com sua mão direita, ela empunhava uma lança pontiaguda.

Aproximando-se da fonte, os claros olhos cansados do chanceler avistaram uma mulher de bochechas magras brincando com os peixes, enquanto uma velha a repreendia.

— Uma gaivota estava voando com um peixe na boca — assustou Uilosgor —, mas ela se bateu numa árvore e deixou cair um lingote de prata. Com quantas chaves de cobre se abre o Mar da Espuma?

A mulher magra se levantou apressada e endireitou sua postura, semicerrando os olhos brilhantes ao passo que enxugava o suor da testa, revelando as primeiras aparições das marcas da idade. Seu rosto estava molhado e sujo de lama seca. Ela usava um comprido vestido verde empoeirado com manchas de barro. Ela encarava o cocuruto do velho com diligência, dando a impressão que contava quantos fios de cabelo louro ainda restavam a ele.

— Essa é muito fácil. — Ela alargou um sorriso cheio de esperteza. — Com chave nenhuma!

— Por quê? — perguntou ele, intrigado.

— Ora, porque sóis iluminam à noite — retorquiu ela alisando seus cabelos castanhos desgrenhados com orgulho.

Uilosgor pensou na resposta por um breve momento, depois mirou o comandante na tentativa que este se pronunciasse, mas fala alguma veio à tona.

— Acho que eu deveria escrever ao Santo Primaz — disse ele com uma expressão afável. — Nunca encontrei uma pessoa que soubesse as respostas corretas para minhas muitas perguntas peculiares, princesa Mebalga.

Com as maçãs ossudas do rosto coradas, a mulher se iluminou ao ser elogiada, deleitando-se nas palavras do chanceler.

— Queira perdoar-me, vossa graça! — enunciou a velha de pescoço curto, fazendo uma reverência. — Eu a avisei para não brincar aqui.

Uilosgor apenas limitou-se a um gesto rude para interromper a velhaca, silenciando-a. Ela, por sua vez, encolheu os ombros e se escondeu atrás da mulher mais alta.

— Eu tenho um presente para o senhor, chanceler — anunciou Mebalga, eufórica. Ela sentou-se energicamente no calçamento poeirento e esperou que Uilosgor fizesse o mesmo.

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