Uilosgor e Niara retornaram aos corredores do palácio com passos silenciosos. Ambos encaravam o solo arrogante sob seus pés preguiçosos, enquanto suas mentes vagavam entre a relevância e o trivial. Ele tentava aproveitar aquele breve momento em que estava em sua companhia sem que ela o olhasse com desinteresse, ou pior, desprezo. O ínfimo ato de auxiliá-lo em sua caminhada talvez demonstrasse que ela não o repudiava como ele imaginava.
Por vezes, ele se questionava se teria sido diferente, não aceitar o convite de seu amigo. Ele poderia ter permanecido em Albaburgo, deixado o castelo de seu pai para casar com a filha do pescador que tinha apenas um olho, e viver amando-a e dedicando seu respirar à felicidade daquela moça tão linda quanto as estrelas. Tudo isso sem qualquer recompensa, porque o sorriso que ela exibia lhe valia mais que todo o ouro que pudesse contar ou receber.
Como ela se chamava?, pensava ele. Armazenar uma lembrança que deixou de ter sua importância não era de seu feitio. O tempo se encarregou de apagar a cor dos cabelos que esvoaçavam com o vento Leste e de esquecer o som de um riso, que um dia, dera a Uilosgor um lugar onde guardar seu coração.
Enquanto Uilosgor se esforçava para afastar os pensamentos banais, Niara sentia sua mente agitada, vagueando nos mais diversos assuntos que, agora, ela se perguntava se realmente os tinha compreendido. Tentava revisar as matérias de organização e funcionamento do reino, mas era como se eles se perdessem num mar de ansiedade. Maldito medo do que virá.
Embora a chateação, que sentia por estar obrigada a cumprir ordens que aniquilavam qualquer poder de decisão sua, ainda ocupasse seus pensamentos, ela animou-se com a ideia de participar de uma reunião com a Alta Cúpula, mesmo que tal encontro fosse decepcionante. Seu pai contava-lhe que, de todas as responsabilidades exigidas por aqueles que assentavam no trono de Ebbiorah, as reuniões com a Alta Cúpula eram as mais entediantes. Entretanto, algo na fala do chanceler despertou um interesse curioso em sua mente e, se ela quisesse ser coroada como futura rainha, teria que se tornar uma deles.
No interior do palácio, contrastando com a quietude que havia antes das badaladas da primeira hora, as frias paredes de pedras não estavam silenciosas. Elas murmuravam palavras soltas e confusas, ressoando vozes com timbres ora graves ora agudos. Por vezes, era possível ouvir uma gargalhada ou dois prantos traduzidos pelas correntes de ar, ondulando os estandartes da águia dourada dos Muriamelis num fundo negro, junto com a baleia de prata dos Eláince sobre o anil.
Eles caminhavam a passos lentos, sendo reverenciados pelos servos que passavam e sentindo os primeiros sopros rudes da primavera golpeando suas costas, e fazendo as chamas dos archotes dançarem como as agitadas águas das cascatas do Valverde. As janelas davam passagem a luz emanada pelo sol, produzindo uma iluminação limitada, porém aconchegante.
— O que tanto a assusta no matrimônio? — perguntou Uilosgor, rompendo o silêncio.
— Quer mesmo retornar a esse assunto desagradável? — retrucou Niara, franzindo o cenho.
— Achei que seria apropriado conversarmos sobre algo.
— Poderíamos falar sobre sua estranha relação com o pai do Niel — sugeriu ela. — A excentricidade com a qual você trata as pessoas que o cercam é... curiosa.
Uilosgor parou subitamente e a encarou.
— Isso está longe de ser um elogio — disse ele.
— Não era para ser — riu com timidez. — Você é grosseiro, ríspido e boçal... Não, não adianta fazer essa expressão de desentendido. Todos sabem que você é assim, mas todos parecem aceitar suas ofensas sem nenhuma objeção, apenas se curvam perante seus insultos.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Palacius
FantasyOs tempos de paz nunca haviam durado tantos anos em Adiurak quanto os que se seguiram com o início da II Era da Unificação. As nações do norte foram forçadas a engolir o orgulho e se aliarem para impedirem a extinção em massa. 300 anos se passaram...