Capítulo dois

950 94 21
                                    

   Eu não podia acreditar em como esse dia estava perfeito, não só porque percebi que a Verônica estava pronta, sexo era importante, mas eu valorizava mais o fato de ela me amar o suficiente para se entregar a mim e além do mais ela confiava em mim.

Uma garota considerada "normal" teria partido para cima da Carla e dado na cara dela e depois me mataria, ao menos era isso o que eu via na televisão e na internet, eu fiquei seis anos da minha vida trancado em um porão, Verônica era minha segunda namorada e eu já tinha vinte seis anos, era obvio que eu não sabia nada sobre relacionamentos, por isso olhei na internet algumas coisas que perdi enquanto estava no cativeiro, a atitude de Verônica não era considerada normal.

As garotas de hoje em dia são inseguras e ciumentas, e muitas caras consideram que isso seja amor, mas eu gostei da atitude de Verônica, foi extremamente sensual o modo como ela caminhou até mim e me beijou, não foi só para se exibir e dizer "ele é meu", foi um jeito de me dizer que me ama... Eu não tinha nem palavras para descrever o que havia sentido com aquele beijo e nem por tudo o que aconteceu depois:

Verônica está sentada em meu colo, a cabeça repousa em meu peito e ela respira profundamente, posso sentir seu coração voltando a bater normalmente e ficando constante:

– Você dormiu? – Pergunto beijando o topo da cabeça dela.

– Não. – ela sussurra.

– Sinto muito que tenha acontecido agora. – Estávamos sentados no sofá da minha sala, mas tudo havia acontecido na mesa. – Sinto muito que não tenha sido especial...

Ela levanta a cabeça e segura meu rosto com as duas mãos me fazendo olha-la. Então sorri e me beija.

– Do que você está falando? Foi perfeito.

– Na mesa? – faço uma careta. – Eu queria ter enfeitado uma cama com rosas e espalhado velas pelo quarto, uma música de fundo...

– Sério? – Ela ri.

– Porque está rindo de mim?

– Foi perfeito. Não somos um casal muito tradicional, você tem que concordar comigo. Quer dizer, eu me apaixonei por uma parede.

– Eu não sou uma parede.

– Mas com certeza já foi. – Ela continua com um sorriso no rosto e um brilho fascinante no olhar. – Sam você foi a minha luz no final de um túnel escuro, fedorento e cruel, eu não posso esquecer isso. Eu te amo por tudo o que a gente viveu.

– Eu sempre achei que você fosse a luz no final do túnel.

– Não. Sempre foi você Sam.

***

Verônica vai para a casa da mãe dizendo que vai me deixar trabalhar, eu não queria que ela fosse, mas ela insiste. Depois de um tempo sozinho eu começo a trabalhar.

Meu trabalho consiste em conversar com hospitais e órgãos da justiça para me designar para pessoas ou famílias que precisam de um ombro amigo ou orientação para se libertar de um agressor, muitas pessoas não sabe a hora que tem que ir embora ou não querem abrir mão de bens sociais outros acreditam que o agressor vai mudar com o tempo e por isso não procuram ajuda. Minha função é ajuda-las a decidir o que fazer e muitas vezes ajudar financeiramente.

Depois de ligar com alguns hospitais, verifico na agenda meu compromisso, a reunião das dez vai começar em quinze minutos e eu nem cheguei a ler o dossiê do caso.

Olivia bate na porta e anuncia que as pessoas já chegaram e estão na sala de reuniões me esperando. De acordo com o pouco que li, é um casal que teve o filho assassinado a muito tempo, mas que ainda não conseguem seguir em frente.

Entro na sala de reuniões e estendo a mão para o homem. Ele é alto, tem os cabelos brancos e alguns rugas envolta dos olhos, a mulher é mais jovem, mas parece muito triste com roupas pretas e cabelos descuidados, sem se importar com o que acontece em sua volta.

Sento-me no meu lugar e espero até que os dois queiram falar, geralmente as pessoas não falam tudo o que precisam se forem pressionadas ou muito incentivadas a falarem, cada um tem um tempo, por isso marco apenas uma reunião por dia.

Os dois se encaram por um tempo e então de mãos dadas eles me mostram uma foto de dois garotinhos, deviam ter uns sete anos. Os dois estão vestidos iguais e seguram uma bola de futebol.

Encaro aquela foto incansavelmente, eu conheço aqueles dois, um deles sou eu. Lembro-me perfeitamente daquele dia, quando a foto foi tirada, eu havia dormido na do meu melhor amigo, Carlos, aquele que eu vi meu pai matando.

– Senhor Oliveira? – a minha cor, voz e sentido parecem sumir quando ele ergue os olhos para mim e eu vejo uma lágrima caindo.

O senhor Oliveira tira uma folha da pasta que carrega e me mostra, é a pagina do meu diário a qual prometi vingança. Meu diário havia ficado com a policia, mas eu não sabia que eles mostrariam para os familiares das vitimas.

– Eu quero que saiba que você nunca deveria ter se sentido culpado por o que aconteceu. – A senhora Oliveira me estende um lenço, eu nem havia percebido que estava chorando.

– Mas eu...

– Não existe "mas". – Ele me interrompe. – Você não foi culpado e não merecia passar por nada do que passou. Esses anos todos nós havíamos pensando que você também havia morrido, nosso coração se partiu duas vezes.

– Eu sinto muito. – digo sinceramente. – Por tudo.

– Nós também.

Conversamos por um tempo sobre Carlos e sobre as aventuras que vivemos juntos e pela primeira vez vi o senhor e a senhora Oliveira sorrindo. Passei tantos anos com medo do que eles pensam de mim, mas agora eu sabia que era querido, mesmo levando uma culpa enorme nos ombros.

Ao final da reunião os dois prometeram voltar mais vezes e cada um me abraçou aos prantos enquanto repetiam que eu não era culpado. Convidei-os para a festa de aniversario de Verônica e eles aceitaram prontamente.

– Eu vou pedi-la em casamento. – Lhes contei animado.

– O meu Deus! – A senhora Luciana Oliveira exclamou. – Que felicidade em ouvir isso. Estou ansiosa para ver esse dia, que Deus me permita viver até lá.

– Parabéns filho. – Volto a chorar ao ouvir as palavras do senhor Roberto. – Posso te chamar assim? Filho?

Eu não consigo responder a pergunta, apenas me jogo nos braços daquele senhor de idade e ele me conforta em seus braços rígidos e fortes. Pela primeira vez eu sabia o que significa a palavra pai. 

Refém do amorOnde histórias criam vida. Descubra agora