Ouro de Rosalgar

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"Minas de Vila Rica

Santa Virgem do Pilar

Dizem que eram minas d'ouro

Para mim, de rosalgar."

Rosalgar. Rosalgar era veneno. Sendo mais específico, veneno de rato; mas uns se valiam da palavra para citar uma maldição.

De outro modo não havia de ser. Maldição, sim, era o que era.

Às vezes, gostaria de ter nascido em berço de palhoça, como Nosso Senhor Menino. De que me vale tanto ouro, se vivo imerso em tristezas e solidões? Afinal era meu, e também não era; alto preço se fez pela minha importância; e quanto mais o ouro cobravam, mais amarguras me assomavam.

Ouro era minha maldição. Ouro de rosalgar.

A manhã seria como a outra, como a anterior, e todas as que a antecede. Ainda na cama, esperava um sinal de que talvez, não fosse. Como alívio para meus desejos, ouvi sua voz esganiçada e risonha da rua.

- Bão dia, minha tia!

- Olhas o respeito! Não sou sua tia!

-Ara! As moças daqui são muito braventas. Livre, Meu Deus!

Mais disposto, me levantava e me punha o roupão. Já previa seus passos; me chamaria incansavelmente da janela, faria cara de quem nada quer, e abusando de sua infanta inocência e de meu frouxo coração, me pediria comida.

Não que fosse mendigo ou subnutrido; pelo contrário, bem gorducho estava e pobreza não aparentava. Tinha era folga e vermes; pois comia tudo que lhe dessem, e uma vez que oferecessem a porta da casa, logo já estaria entrando como fosse ele o dono. Erro, que cometi.

Desde a primeira vez que o coloquei para dentro, não se desgrudou mais. Se afeiçoou a mim; e agora, todo lugar que ia, fazia questão de seguir.

Confesso que chegava a ser uma chateação; pois não controlava a boca, em todos os sentidos. Mas eu não o afastava; ao fim e ao cabo, ambos erámos duas almas solitárias; era ele, um órfão carente; e eu, um pobre homem rico.

Já me chamara seis vezes da janela; como era impaciente. Abri as portas da varanda e o peguei no flagra.

- Não se atrevas a fazer isso.

Desentendido, escondia as mãos atrás, e abria um sorriso amarelo mostrando o vão dos dentes da frente.

-Bão dia! Fazer o que? Ia fazer nada! Ocê viu coisa.

- Devo de ter visto mesmo. Vós pegando pedras da calçada para me quebrar o vidro da janela.

- Não! Não peguei pra isso! Peguei porque achei bonita. Olha só! Não è linda? Acho que é ouro!

- É mesmo? Não sabia que existia ouro cinza.

- Então...deve ser prata!

- Prata brilha, Goiás.

Sim, o nome dele era Goiás. Nome estranho para uma criança. Mas eu sabia que ele não era bem uma criança; era como eu. E eu era o único que sabia.

- Talvez se for polida...

- Está bem, então. Traga- a aqui mais tarde e darei uma olhada.

- É que...

Espera.

- ... eu ainda não tomei o desjejum. E estou com muita fome.

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