Nhem nhem nhem...
Nhem nhem nhe-xorodô
Quando retornei a casa, nada me importava. Sentia afogar em um misto de emoções, sequer conseguia numera-las: uma sanha de consumir o peito; uma desilusão de jogar a alma no chão; inquietude de esperar um esperar por um não sei que. Por quem? Desamor...
A cabeça tonteava, talvez fosse só ressaca. E eu bem sabia que, para sarar o mal da bebida o remédio era repouso e um banho de água fria; e se teimasse a enxaqueca, uma dose da "caninha" resolvia, pois contra uma pinga, só outra.
Se parecia com uma casa de orates. O campo de batalha de um xadrez em que os peões venciam, e o rei perdia; arrumaria tudo depois, não me encontrava com astral para árduo trabalho; e tampouco para surpresas repentinas.
- Sinhô! Sinhô! Enfim chegaste!
- Diga lá. O que foi desta vez? – dizia para o único empregado que consegui manter nesta crise do ouro, fora as cozinheiras.
- Aquela sinhá...aquela negra; está aqui.
- O que?! Aqui?! Quando ela chegou?
- Hoje mais cedo. Está na varanda desde a manhã o aguardando.
Enquanto isso, eu estava batendo cama em uma curratela.
Com o rosto queimando pela vergonha da desfeita; caminhei até a varanda como uma criança certa do sermão. O que ela pensaria com a casa naquele estado, do fato de ter madrugado, ou pelo modo como estavam minhas vestes? Partiria com impressão de que era alguém que perdeu o leme da vida. Um garoto no corpo de um homem
Mas os receios dissiparam-se todos, ao vê-la sentada de costas na cadeira do terraço, com um lenço enfeitando seus cabelos crespos prendidos para cima. Abanando calmamente o leque, punha uma ária em canto baixo.
Nhem nhem nhem...
Nhem nhem nhe xorodô.
Sua imagem trazia-me nostalgia e conforto. Ela era um dos meus poucos portos seguros.
Xangô andava em guerra
Vencia toda a terra
Tinha a seu lado Iansã pra lhe ajudar.
Mesmo cristão devoto, essa era uma das minhas favoritas. Sempre cantava quando me visitava menino; assoviava junto as notas.
Oxum era a rainha
Na mão direita tinha
O seu espelho onde vivia
A se mirar.
Era uma história. A história sobre o amor de Xangô e Oxum.
Quando o rei dos orixás se apaixonou pela bela deusa do ouro e a fez sua rainha.
Quando Xangô voltou
O povo celebrou
Teve uma festa que ninguém mais esqueceu
Tão linda Oxum entrou
Que veio o rei Xangô
E a colocou no trono esquerdo ao lado seu.
Ao findar da música, ela emudeceu; cravou a vista ficha no nada, parecia esquecer minha presença. Entoou voz outra vez:
Iansã apaixonada
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UAI - União, Amor e Independência
Ficción históricaUnião por uma causa. Um amor que acossa. Uma independência frustrada. UAI: O código secreto .