Yayá massemba - a mãe negreira

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"Que noite mais funda

Calunga

No porão de um navio negreiro..."

A noite estava quente. Como sempre.

Do lado de fora da varanda, ela olhava a cidade soturna; divagando nas caraminholas e sentindo o bafo da brisa no rosto, naquela noite de verão soteropolita.

Pensava, pensava; como toda mulher negra que tranca os prantos, as dores e pensamentos e joga fora o cadeado do peito.

Em noites como aquela, sem vento, ela podia abrir a Caixa de Pandora dos segredos; também contava os sonhos engolidos pela vida difícil. Sonhos de menina

- Menina... mulher da pele preta.

Sempre cantava para ninar os outros; oferecia o colo, ombros e seios para outros lamentos. Por que nunca se dera o prazer de uma canção?

Ela não merecia! Preto não merece nada. Preta mulher, menos ainda.

E menina? Qual menina? Uma senhora velha, isso que era.

Assim era a opinião de um homem; de um homem branco. Mas ora! Deixe de se fazer desentendida!

Não era de se esperar mais na sua condição; as coisas eram assim, que fazer? Muita pretensão sua achar que seria diferente, que era especial.

Seria trocada dia mais, substituída, como uma coisa qualquer. Coisa...sim. Ela não sentia. Ela não chorava.

Lágrima maldita! – Punia a si mesma

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Lágrima maldita! – Punia a si mesma

- Não aja assim, Bahia! Não aja como se não soubesse! A quem quer enganar? Veja a cidade decadente! Veja a Colônia! esta como sempre! Nunca vai mudar. Esperar é vão...

Como era mesmo a frase do velho patrão? "Inferno dos negros, purgatório dos brancos, e Paraíso dos mulatos".

Verdade. A colônia era pra alguém como ela, o Inferno; mas não queria ver assim, não queria que a verdade fosse verdade.

- Por mais triste que esteja, nunca abaixe a cabeça.

Aconselhar é fácil. Seguir os próprios conselhos que é difícil.

Mas, que outro remédio conhecia? A música, a música sara tudo; e se lembrou que lhe devia uma canção de ninar:

"Que noite mais funda

Calunga

No porão de um navio negreiro

Que viagem mais longa

Candonga"

Um ninar triste, apesar do ritmo feliz. Sorrindo por fora, amargurando por dentro; amargura de uma gente, que como ela, ri quando deve chorar

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