Quinto de Chumbo

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- Seu tempo acabou.

- Não! Dê-me mais dias! Terei mais remessas.

- A Coroa não espera. O trato era todo findar de ano.

-Podem abrir uma exceção! É a última vez! Só peço uma prorrogação de algumas semanas. Prometo pagar tudo o que devo!

- Não estas em condições de pedir-me isso, não achas, gajo? Já adiamos o pagamento do Quinto demasiado. Vós implorou muitas vezes... com tamanho acúmulo, terei que cobrar a Derrama.

- Não! A Derrama não é justa!

- Assim ficou o acordo! Ou devo lembra-lo? Pagai com seu ouro. Ou, com o que tiveres. É uma troca simples, e pois sim, justa.

- As gentes não tem mais o que oferecer! A Coroa já tomou tudo o que tinham de valor. O que farão agora? Tomarão suas terras e escravos? Suas casas?!

- Se for assim preciso...

- Só quando estiver no bico do corvo!

- Se vais botar preço em seu cadáver...pois, bem! Aceito a proposta. Seu sangue paga o Quinto!

- Não!! Ahhhh!! Ah, ah, a... Deus Pai! Uffa!

Foi tão real. Podia vê-lo tão nítido como via a luz do dia entrando em feixes pela janela. O nefasto; o inominável; me apontando o revólver a cara.

"Seu sangue paga o Quinto". Sentia a barriga úmida pelo sumo vermelho. Droga! Não era sangue. O que era eu? Um menino a molhar as calças com um pesadelo.

- Sou uma vergonha como homem.

Meu pescoço já estava na corda da forca. O ano se acabava na próxima semana, e se não tivesse em mãos os vinte de alíquota, cabeças iam rolar na Derrama.

Seria uma ópera de choros e queixas; como sempre o era quando se aplicava o fisco, a garantia ao rei das cem arrombas anuais; tendo ouro, não tendo ouro. Não existia ano de vacas magras para a Coroa; melhor dizendo-se, minas magras.

Sabia que precisava agir, e logo; mas faltava-me tempo param matutar em um plano. Não havia outro jeito. Teria que usar do truque velho.

Para minha ventura, dispunha de um lacaio particular que faria de um tudo por um pedaço de bom prato.

- Ocê tá certo disso, sinhô Geraes?

- Não pergunta, só faz! Traga os baús pra cá.

Minha sala estava até as telhas com vários caixotes de madeira bem lacrados; cheios até as bordas com barras de ouro reluzindo. Havia migrado as arcas todas para lá, a semana inteira nesse ritmo de leva e traz; me encontrava ali, em véspera de pagar o "agiota" , encarando a montoeira.

- Uff! Pronto. Esse foi o último.

Ele aguardou por mais ordens. Eu de resposta, só tinha um bico pensativo.

- E? E agora? Que nois fais c'o essa pilha?

-Agora abrimos todos, cada um. E retiramos as barras de dentro.

- O ouro tudo?!

-Sim! Terei que repetir duas vezes?

E foi; noite adentro, esvaziando as levas, uma a uma. No alto da madrugada, estávamos ambos cansados .

- É ouro por demais!

- Acredite, já foi muito mais. Em tempos outros...

- Eu tô c'o sono! Podemô pará só quinze minuto? - Queixava-se esfregando os olhos

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