CENA

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1978

"Poder ao povo!" O homem dizia frente a multidão, que repetia sua fala. "Poder ao povo!" Ele repetia mais alto junto da multidão. "Gostaria de agradecer a minha presença aqui esta noite, porque vocês são os responsáveis por isso. Estaria numa penitenciária de segurança máxima se não fosse o poder do povo. Esta noite, gostaria de delinear para vocês o programa do Partido dos Panteras Negras e explicar como chegamos à nossa posição ideológica e por que achamos necessário instituir um Programa de Dez Pontos. Um Programa de Dez Pontos é um programa de sobrevivência. Nós, o povo, estamos ameaçados de genocídio porque o racismo e o fascismo são desenfreados em todo o mundo. E o círculo dominante na América do Norte é o responsável. Pretendemos mudar tudo isso com uma transformação total. Mas até que possamos alcançar essa transformação total, devemos existir. Para existir, devemos sobreviver; portanto, precisamos de um kit de sobrevivência: o Programa de Dez Pontos..." Tupac ouvia e via atentamente a TV, enquanto o homem falava, até que sua mãe chega na sala.

"Tupac, hora de dormir!" Sua mãe diz, tirando a atenção da criança da TV enquanto desliga a TV.

Ele estava um bom tempo vendo TV, desde cedo na verdade. Começou vendo desenhos e alguns clipes que apareciam que nem viu o tempo passar quando o discurso de Huey Newton passava na TV.

"Mãe, quem era aquele cara na TV?" Tupac perguntava, agora deitado na cama.

"Aquele era Huey Newton, já falei dele pra você. "

"É, eu sei, mas o que ele é? O trabalho dele é ficar falando com outras pessoas o dia inteiro?"

"Ele é um revolucionário. Ele é importante porque ele faz mudanças, seja nas conversas ou ações. Ele move as pessoas." Afeni diz, sentada na beirada da cama de Tupac.

"Como você." Tupac diz, recebendo uma leve risada de sua mãe.

"Como eu. Ou pelo menos, como eu gostaria. Deus sabe que eu queria poder fazer mais se não fossem esses federais porcos na minha cola." Afeni diz ressentida, vendo sua raiva transparecer na fala e parando antes que falasse algo pior ainda "Vai dormir, meu filho! Boa noite." Afeni diz e sorri levemente, beijando a teste de seu filho e saindo dali.

"Mamãe!" Afeni volta ao quarto com seu filho a chamando "Eu vou ser um revolucionário!" Tupac diz, arracando um sorriso genuíno de sua mãe, que se despede novamente e deixa o quarto.

1988

"Leu o jornal de hoje?" Afeni diz, enquanto seu filho passava pela cozinha procurando algo pra comer antes de sair, o vendo confirmar "E?"

"Os Estados Unidos e a União Soviética estão tentando colocar fim na guerra do Afeganistão." Tupac diz à sua mãe enquanto comia uma maçã.

"E o que você acha sobre a crescente violência e rebeldia civil que eles falam?"

"Foi o que eles queriam. A União Soviética não consegue mais lutar, não consegue mais se impor em um país que não é dela e os Estados Unidos lucrou com isso, então tá buscando sair da guerra agora que a União também está. Ambos tentaram ou conseguiram seus interesses e agora tentam cessar a guerra, mas os civis de lá continuam em guerra, em uma guerra que eles criaram baseado nas suas vontades." Tupac diz, encarando sua mãe e dando uma mordida na maçã. Ela o encarava refletindo sobre o que disse e fazendo ele entender que estava satisfeita com sua resposta.

"Você tem visto muito o Huey na TV, hum? Tô começando a achar que 'tá copiando as palavras dele." Sua mãe diz risonha, o fazendo rir junto.

"Mulher, por favor. Eu sou original, ok? E outra, eu fui criado por você. Se eu tivesse que copiar alguém, teria falado o que você fala sempre. Na verdade, acho que acabei de fazer isso." Tupac diz, fingindo ser pensativo e rindo junto de sua mãe "Eu vou indo, tenho teatro hoje, então chego mais tarde." Tupac diz, beijando a testa de sua mãe e jogando o resto da maçã fora e saindo de casa.

...

"Tupac, anda logo! Não posso fazer os clientes esperarem!". Senhor Chang diz, tirando a atenção do jovem do seu caderno, o fazendo fechá-lo e bufar, enquanto vai atender uma mesa.

Tupac ia até a mesa com a menor vontade. Por ele, ele focava só na música, na arte. Ele sabia que o mundo não era uma fantasia, sempre soube. Ele sabia que muita gente crescia assim, achava que a vida era flores, quando na verdade não era. E sabia que essas eram as pessoas que depois cresciam se chocando com o mundo. Mas isso não quer dizer que ele gosta da realidade. Pelo menos não 100%.

Ele anota o pedido e coloca no local de pedidos para que o pizzaiolo fizesse. Ele volta pro balcão, abrindo seu caderno novamente e escrevendo.

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SOLANA

"Quem carregara suando o fardo da pesada vida? Se o medo do que vem depois da morte - o país ignorado de onde nunca ninguém voltou - não nos turbasse a mente e nos fizesse arcar com o mal que temos. Em vez de voar para esse, que ignoramos? Assim nossa consciência se acovarda, e o instinto que inspira as decisões desmaia no indeciso pensamento, e as empresas supremas e oportunas desviam-se do fio da corrente e não são mais ação." A sala toda ou quase toda, aplaude após Tupac terminar de recitar o monólogo que tinha escolhido.

Essa semana, tínhamos que apresentar algo, fosse monólogo, poema ou algo do tipo, que resumisse um sentimento ou emoção, expressasse o inominável e pudesse envolver o público.

Tupac desce do pequeno palco que tinha ali, sorrindo e indo sentar perto de seu amigo. Em um momento, nossos olhares se encontram e enquanto seu sorriso debochado aumenta, eu reviro os olhos e volto atenção para a professora.

"Então, vamos terminar o resto das apresentações semana que vem. Pra terminar, alguém quer comentar algo? Sobre o que achou, como se sentiu com as apresentações?" A professora pergunta e direcionando seu olhar pra mim, que levantei a mão logo após minha pergunta. "Sim, Solana?"

"É sobre a última apresentação." Digo, fazendo Tupac me encarar de relance e se segurando pra não falar nada. "Sei lá, pareceu meio Falshespeare" falo, deixando muitos ali confusos.

"E que porra isso significa?" Tupac pergunta, já sem paciência

''Cê sabe, falso Shakespeare." Falo, o encarando debochada, e o vendo rir de raiva mais uma vez no dia.

"Entendi, você acha que tem piadas." Tupac diz rindo e balançando a cabeça. "Mas você devia parar de mentir, antes que elas aumentem esse seu cabeção." Diz, fazendo alguns ali rirem.

"Não antes dessa sua cabeça torta igual seu cabelo." Digo, aumentando as risadas.

"Aí, por que voc..." Tupac começa a retrucar mas é interrompido.

"Ok, primeiro, olhem o linguajar e segundo, chega de se insultar." A professora diz, nos fazendo ficar calados mas nós nos comunicamos pela raiva em nossos olhares."Acho que por hoje é só, não preciso de mais discussões e já deu o horário. Vejo vocês semana que vem." Ela continua recolhendo suas coisas e nos permitindo sair da sala.

"Então, você se acha ligeira?" A voz de Tupac se faz presente atrás de mim.

"Eu não diria isso, inteligente sim." Digo sarcástica.

"Por que você sempre tem uma atitude?"

"Negão, porque eu quero!"

"Não tem necessidade de ter uma, foi uma pergunta simples. Por que você sempre tem uma atitude quando fala comigo? Você pode falar que é por causa do disco estúpido, mas já passou da hora de você ver que essa merda não rola mais. Você sempre encontra uma forma de me irritar ainda mais e entendo: também não gosto de você. Mas por que?" Tupac pergunta, se aproximando cada vez mais de mim e me encarando profundamente, me deixando quieta por alguns segundos.

Encaro ele nos olhos por alguns segundos,  mas vendo que a resposta não vinha, me afasto, saindo dali com minha cabeça martelando o que ele tinha acabado de falar, por mais que não quisesse.

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sabe, eles quebraram o molde quando te fizeram, baby.

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